O estacionamento estava abarrotado de veículos, as ruas em frente e ao lado do fórum nao sabiam direito onde providenciar espaço para os carros, motos e bicicletas oriundos de vários lugares do estado. Repórteres e curiosos se amontoavam no entorno do fórum ja havia um dia ou mais.
No portao principal na frente do fórum todos se aglomeravam à medida que a hora do julgamento se aproximava, policiais militares irritados discutiam com algumas pessoas, que tentavam burlar o sistema de segurança e entrar sem autorização no prédio.
O calor do dia deixava aquela proximidade forçada das pessoas em frente ao fórum, muito desagradável, o suor escoria em abundância e a pele ardia na tentativa de adaptar-se ao ambiente. O calor seco de outubro era implacável com aqueles ávidos espectadores, que esperavam por mais uma cena do enredo cheio de reveses e detalhes obscuros da história incomum de assassinato, uma novela cheia de revelações que buscava a todo custo prender seus admiradores que procuravam sempre um resquício do próximo capítulo tenebroso, uma pista qualquer do desenrolar final.
Os repórteres salivavam imaginando as declarações bombásticas do promotor fanfarrão, que nao descepcionava deixando os telespectadores presos aos seus televisores com mais uma história terrível na hora do jantar, mas nada de novo ou destoante da rotina sanguinária da TV. O operador do direito em questao tinha uma veia no estrelato, ele sabia que independente da sua quedinha para a mídia e os holofotes, existia no caso uma grande importância para sua carreira. Para um homem ambicioso como o promotor, era vital uma bela condenação neste caso de repercussão nacional.
Os estudantes de direito murmuravam alto, empolgados pelo privilégio de ter conseguido um lugar para assistir ao julgamento.
Uma máquina de sorvete barato estava vendendo bastante naquele dia ensolarado, apesar de ser uma figura incomum daquele quadro que beirava o caos. Certos curiosos ostentavam panfletos, outros faixas, e também existiam os desorientados, que não sabiam direito qual o seu objetivo de estar ali.
Algumas pessoas bem vestidas para o calor tropical passavam olhando para aquela massa com certo sentimento de asco, tentando proteger suas roupas caras do contato corporal quase inevitável.
Era terca-feira de uma semana qualquer de outubro e nao havia razão obvia para tantas pessoas nao estarem ocupadas com alguma atividade, um trabalho, um biscate. Muitos almejavam ser alguém na multidão ou até mesmo, quem sabe, dar uma declaração, uma opinião em um canal qualquer de TV e conseguir ser famoso em seu bairro, ou com sorte em sua cidade como em um reality show tosco; fazer parte da novela que acompanha diariamente pela mídia e que agora chega aos seus momentos decisivos, porém ao contrário de realities, a leitura dos autos do processo no tribunal do júri, trariam fatos inenarráveis, acontecimentos que nao foram editados, não teriam fundo musical para prender a atenção, tão pouco patrocinadores dando ordens de conteúdo. Seria somente a realidade em seus detalhes sórdidos e sombrios que somente a alma humana é capaz de produzir; uma verdade incômoda que a maioria prefere escolher nao ter conhecimento.
Enquanto a massa disforme aumentava na entrada do fórum, um coro começou com um grito de ordem já bem conhecido na cidade.
-justiça, justiça! Gritavam alguns mais exaltados em meio a multidão barulhenta.
Ao olhar a bagunça do seu carro quando se aproximava da entrada da garagem, o advogado de defesa percebeu o quanto seria grande sua tarefa. Um desafio monumental até mesmo para o escritório JB Oliveira advogados associados.
O advogado sabia que no local havia populares, mas não na quantidade que estava vendo à frente do seu carro sedan. Repentinamente o advogado teve de frenar abruptamente, quando um manifestante jogou algo no pára-brisa do seu carro, talvez ovos, o advogado nao conseguiu ver direito o que lhe atingiu. Ele observou com um pouco de receio e nojo, enquanto o limpador de pára-brisa fazia seu trabalho com a gosma amarelada que escoria lentamente.
-justiça, justiça! Gritavam mais alto e cada vez mais empolgados com suas próprias palavras.
-você vai para o inferno! Falou um popular que teve a chance de olhar nos olhos do advogado, que não escutou direito o que haviam lhe dito por causa do vidro fechado do carro. Ao ouvir os xingamentos o advogado sentiu um calafrio subir sua espinha deixando o paralisado momentaneamente, porém retomou a consciência e conseguiu depois de certo esforço parar e desviar das pessoas em frente ao fórum, chegando em segurança a garagem, onde foi escoltado pelos policiais militares até o fim do trajeto.
Anos antes destes acontecimentos, nasceria uma criança em um velho sobrado, uma criança inocente como todas as outras, mas com um destino ternebroso que o levaria a uma jornarda de sadismo, desejos nefastos e um total desprezo pela vida humana. O mundo seria sua casa e sua vontade sua guia.
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A Outra Face
Mystery / ThrillerA história de um jovem charmoso e sua alma desprovida de humanidade, dando vazão aos seus instintos mais perversos, mas em sua trajetória ele encontrá um herói pouco provável que arriscará tudo para tentar detê-lo.