A Outra Face

Sinais Custosos

Júnior tinha o cuidado de revelar sua história inventada aos poucos, em conta gotas. Seu método homeopata não levantava muitas perguntas. Júnior deixava transparecer muita naturalidade em suas conversas. Histórias cativantes frequentemente eram suas respostas dadas as indagações da sua senhoria e dos colegas que compartilhavam a pensão junto com ele.

O jovem estudante deliberava consigo mesmo sobre qual história contar para o seu público. Este exercício consumia muita energia criativa, porém como todo mentiroso ocasionalmente cometia erros, nestas ocasiões simplesmente fingia não entender direito a conversa.

A maior parte das interações sociais entre os moradores da pensão acontecia em um refeitório improvisado. Vovó Nilda Sérvia a todos sempre com um farto sorriso e muita ternura.

A vovó Nilda sentia por Júnior um carinho maternal. Via nele um rapaz dedicado e estudioso, um pouco solitário, mas nada de suspeito.

Raramente Júnior saia com a turma para curtir nas outras Repúblicas espalhadas pela cidade.

-e aí cara, vamos sair? Amanhã é o sábado! Convidava os colegas.

-não posso amigos estou muito cansado. Sempre respondia.

Em uma noite destas o telefone tocou enquanto júnior estudava sozinho na mesa da sala, já que os outros colegas de moradia haviam saído para se divertir. A proprietária não gostava que os meninos fornecessem o telefone da residência para namoradas, todavia o garoto de olhos verdes era um caso a parte. A carioca ligou e inventou uma desculpa qualquer, simplesmente para ouvir a voz de júnior.

A carioca insistiu em fretar no início da faculdade, porém acabou desistindo do rapaz depois de algumas invertidas sem muito sucesso. A paixão da moça ficou arrefecida quase que durante todo o curso universitário, ninguém no campus lembrava-se mais que um dia ela havia fretado com júnior, inclusive ela conseguiu um namorado substituto ao longo do curso.

Porém, pouco antes do final do último semestre quando todos voltariam em definitivo para suas terras, a linda moça rompeu com seu namorado e retornou à procurar júnior de forma a ninguém ficar sabendo no campus.

A paixão ingênua da carioca a levou direto para o caminho do mal. Em um belo dia ensolarado ela desapareceu sem deixar vestígios. Seu ex namorado foi considerado o principal suspeito pelo desaparecimento.

Não é possível definir claramente como ela se tornou uma vítima inocente, mas isso pouco importou ou importa até os dias de hoje, o fato é que ela foi uma das primeiras vítimas do mal crescente. Que agora tinha experimentado o sabor da sua primeira vítima humana. O mal havia sentido uma excitação, e uma euforia que jamais havia sentido. Inevitavelmente ele ficaria viciado nesta droga e com o tempo buscaria doses cada vez maiores da substância.

Ao término do curso júnior havia sofrido uma transformação que a carioca tragicamente não percebeu a tempo. A moça atraente desapareceu logo após voltar a conversar com júnior. A universidade inteira ficou comovida com o seu desaparecimento.

O ex namorado inicialmente foi acusado de desaparecimento, mas depois de um tempo foi liberado e o caso continuou aberto por um período, então finalmente foi arquivado até os dias atuais. Júnior nunca foi ouvido ou sequer mencionado neste caso, o que lhe encheu de confiança. O jovem estava pronto para colocar em prática seus maiores desejos, desejos sádicos e inconfessáveis.

Mesmo neste período a lembrança e a presença da mãe em sua mente, servia ainda como um ser opressor. Júnior iria atrás da desforra como forma de compensação pelo mundo ter sido tão ruim com ele durante sua vida, ao menos assim ele considerava.