💖 Capítulo 3

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ANGÉLICA

Recife, Brasil  Anos antes

Era o meu primeiro ano estudando no Instituto do Saber depois que o trabalho do meu pai nos mandou morar longe do Rio. Eu gostava do Recife, era quente e os meus colegas eram tão legais quanto os da minha antiga escolinha. Estávamos agora nos preparando para o São João, que seria no próximo mês, e íamos ensaiar uma dança de quadrilha junina. Sempre gostei de dançar e estava ansiosa para começar os ensaios.

Minha professora Rita foi para a frente da sala, enquanto ainda estávamos sentados nas cadeiras, com nosso material escolar espalhado nas mesas. Tínhamos feito bandeirinhas coloridas para pendurar por toda a escolinha e meus dedos ainda estavam cheios de cola.

— Crianças! Prestem atenção! — ela falou, gesticulando as mãos e olhando-nos com um sorriso no rosto — Vamos fazer uma fila e sair para o pátio de recreio para nosso primeiro ensaio da quadrilha — apontou para a primeira mesa onde estavam Joana, Carlos e Patrícia — Vocês vão na frente e depois todos os outros se levantem e formem uma fila.

Fomos levantando mesa por mesa e ficando em pé uns atrás dos outros. Eu segurei a mão de Bárbara na minha frente e estendi minha outra mão atrás de mim, para meu colega Guilherme segurar. Quando não senti sua mão na minha, virei e o vi ainda sentado no meio de toda aquela movimentação.

— Vem cá, Guilherme! — inclinei-me sobre a mesa e toquei sua mão para chamar-lhe atenção, gesticulando para que ficasse em pé e se aproximasse de mim — Segura aqui e vamos lá fora dançar.

Estendi a mão novamente e esperei, vendo-o empurrar a cadeira, levantar-se e colocar sua mão na minha.

A professora Rita saiu conferindo toda a fila até chegar onde estávamos. Ela sorriu quando viu que Guilherme já estava comigo e fechávamos a fila.

— Muito bem, crianças! — falou alto, fazendo-nos calar e olhar para ela. — Lá fora vamos formar duplas para a quadrilha. Lembrem-se de se esforçarem para fazer bonito, porque seus pais vão estar presentes na festa e tiraremos muitas fotos.

Sim, ia ser muito bom e eu estava feliz com minha nova vida no Recife. Seguimos para fora da sala em direção ao pátio onde brincávamos no recreio.

Ela começou então a chamar nossos nomes e formar os casais para a quadrilha. Minha felicidade aumentou quando vi que eu dançaria com o Carlos. Fomos os dois de mãos dadas para um canto do pátio enquanto esperávamos a formação dos outros pares. Logo estávamos ensaiando e eu me diverti muito com os passos da dança.

De repente, vi quando a Joana começou a chorar e correu para o balanço, largando o seu par sozinho no meio da dança. Criou-se um alarido no meio dos alunos quando a professora nos deixou e foi conversar com ela.

Olhei para o Carlos, sem entender nada.

— O que foi que aconteceu com ela?

Ele jogou seus cabelos castanhos para trás, num gesto que fazia com frequência, e torceu a boca.

— Acho que ela não quer dançar com Guilherme.

Olhei para o outro lado do pátio onde Guilherme estava sozinho.

— Por quê?

— Porque ele não é normal — disse com um encolher de ombros — É deficiente.

— Não vejo nada de errado nele — voltei a olhar para o Guilherme e o vi igual como sempre.

— Não vê os olhos puxados? Isso é de quem é deficiente — ele falou com orgulho, como se soubesse algo importante — Você nunca reparou nisso?

Falando sinceramente, eu nunca tinha visto nada de errado na forma como eram os olhos do Guilherme. Sim, eram diferentes, mas o que isso tinha de errado? Não éramos todos diferentes uns dos outros?

— E como você sabe disso? — duvidei do que dizia.

— Bom, minha mãe me disse — confessou.

Então devia ser verdade, mas antes eu ia perguntar à minha mãe mais tarde quando estivesse em casa. Mas ainda assim, fiquei sem entender se isso era motivo suficiente para a Joana não querer dançar com ele.

Passamos mais um tempinho esperando a professora Rita voltar com a Joana para recomeçarmos o ensaio. Fiquei feliz, afinal, íamos continuar a quadrilha.

Quando tudo terminou e voltávamos para a sala de aula em fila, escutei a professora Rita me chamar.

— Angélica! Quero falar com você — levou-me para a sombra do jambeiro e apontou para o balanço. — Fique aqui e me espere.

Adorei que eu ia brincar mais um pouco enquanto meus colegas iam para a sala. Então corri para o balanço e aproveitei, antes que ela voltasse.

Ainda faltavam alguns meses para eu fazer 6 anos e aquele ia ser meu primeiro aniversário passado no Recife. Ia pedir à minha mãe para fazer uma festa na escola com meus amigos. Eu gostava de lá.

Uns minutinhos depois, a professora Rita se aproximou e sentou no banco feito de madeira, pintado de amarelinho. Bateu ao lado com a palma da mão.

— Senta aqui, querida.

Desci do balanço e fui sentar ao lado dela. Coloquei as mãos no colo e esperei obedientemente que falasse comigo.

— Queria saber se você se importava em dançar com o Guilherme na quadrilha.

Não, eu não me importava de jeito nenhum, mas gostava do Carlos e queria muito dançar com ele. Era bonito, alegre e parecia gostar de mim também. Estes motivos me fizeram ficar calada por alguns segundos, fazendo a professora antecipar-se numa explicação.

— Joana não quer dançar com ele e falei com outras coleguinhas suas e elas também não querem. Eu coloquei você com o Carlos para ficarem na frente da quadrilha porque formam um casal muito bonito. Não gostaria de separá-los, mas se ninguém quiser dançar com o Guilherme, ele não vai fazer parte da quadrilha e ficar muito triste.

Lembrei-me do que o Carlos disse sobre Guilherme não ser normal. Eu só tinha cinco anos e não entendia o que havia de errado com ele. Minha mãe nunca havia falado nada sobre o Guilherme comigo e ela conhecia todos os meus colegas da escola, inclusive conversava muito com a mãe dele.

— Por que ninguém quer dançar com ele, professora?

Ela suspirou e passou a mão no meu cabelo louro, preso em duas longas tranças ao lado do rosto.

— Às vezes algumas pessoas não conseguem se sentir bem com coisas que não entendem. Não há nada de errado com o Guilherme, ele apenas é especial e por isso necessita de mais atenção do que vocês.

— Eu também nunca vi nada de errado nele, professora.

Vi seu sorriso crescer no rosto. Ela me puxou e deu-me um beijo no alto da cabeça.

— É por isso que ele está sentado na sua mesa, querida. — Depois afastou-se e me olhou em expectativa. — Então, você pode dançar com ele?

Balancei a cabeça afirmativamente, vendo uma expressão estranha tomar conta do seu rosto quando me abraçou muito apertado.

— Então vamos voltar à sala, porque já está perto de vocês irem para casa.

Naquele ano, em todas as fotos do Guilherme na quadrilha junina, estávamos os dois juntos e sorrindo, felizes. Desse dia em diante só me chamavam de Angel.

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LINHAS DO DESTINO (Prêmio Wattys 2016) - Angélica & Lorenzo - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora