Uma pequena metáfora da condição humana.
Ao nascermos, todos nós recebemos uma taça. Sim, uma taça. Dentro dela não há nada além de um pequeno papel enrolado com os seguintes dizeres: "Um brinde à vida". Ela sempre esteve e sempre estará junto de nós, pois trata-se de uma representação fiel de quem somos. Um receptáculo cristalino e divino, de sons harmoniosos e brilho majestoso. Em sua transparência natural, expõe todo o conteúdo. Algumas são vazias, outras cheias, outras completas. Não, não trata-se de um engano, é isso mesmo. Estar cheio e completo não é a mesma coisa.
A Taça da Existência Humana, quando cheia, geralmente mostra um conteúdo escuro e, não raro, espesso. Sinal de uma vida de expectativas frustradas, onde o externo foi ou é mais importante do que o interno. Pessoas que abdicaram do que é fundamental para agradar a terceiros. Com isso, invariavelmente, se afastam de suas verdades e de sua essência original. Foram adquirindo maneirismos e trejeitos de uma massa sedenta por aceitação. Gostos que não partilham de quem se é. Vidas que foram costuradas como colchas de retalhos, pedaços de outros sobre a mesma cama. Podemos dizer que ela se torna cheia por adições externas. O fervilhar de vossas cabeças nada mais é do que o EU clamando por expressão. Com isso, o transbordar das emoções é devastador. Raiva, ódio, desrespeito. Sensação de abandono. É sentir-se só em meio à multidão. Culpa-se o outro pela própria omissão e consentimento. No fundo, estapeia-se não ao socorrista, mas a eminencia do afogamento.
Em uma Taça que se permitiu estar completa, vemos que fora preenchida por dentro. É como se ali existisse uma nascente e o ato de se completar fosse o puro banhar-se por quem se é, pela sagrada individualidade do ser. Por algo que está nascendo, ou renascendo. Algo que fora permitido brotar e surgir. Lá de dentro de quem se é, de quem se aceita ser. No instante em que nos ouvimos, de que abrimos espaço para a expressão original, para o pleno, puro e cristalino se é. E neste momento, não existe o transbordar do estresse, algo característico de uma Taça cheia. Aqui, transborda-se pela completude da presença, pela necessidade de se expandir e fluir. Esta água, esta sim, merece ser compartilhada. Muitos ainda sentem sede. Através de um simples respingar de uma gota cristalina, muitos serão impactados de forma incalculável. Afinal, uma gota, quando encontra outras, ganha força e distancia.
Muitos se dizem "cheios" disso e daquilo. O gracioso perdera a graça, o companheiro, a companhia; o amor, o amante. Idosos ou jovens, não importa, as lamúrias não escolhem morada. Mas todos podem escolher com o que querem brindar. Água limpa e cristalina ou suja e espessa.
À você, um brinde!
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Fragmentos de mim
Non-FictionAtravés de crônicas inspiradas e sempre muito provocativas, o autor nos conduz à um passeio por algumas das maiores inquietações do ser humano. Ansiedade, amor, despedidas, medos e o poder da autovalorização são alguns dos temas abordados. Se você e...