De pé eu tentava refazer os fatos, um após o outro. A tristeza pela sua partida era grande. Depois de tudo o que havíamos passado, tantas tempestades, doenças, agressões pelo tempo e pelo vento, tantas alegrias e frutos colhidos, só o que havia me restado eram as lembranças de um passado florido. Meu presente, eu dizia, era de grego. O que me confortava era saber que você não havia ido só. Muitas outras te acompanharam. Eu fiquei, como tantas outras vezes, a sós. Porém, hoje percebo algo que sempre esteve aqui, bem perto de mim e que eu jamais tive calma para notar. Todas as vezes em que me deixam, você e elas, o fazem com graça e leveza. Se despedem e se vão dançando pelo ar. Não caem, se acomodam. Perdem suas cores e sabores. Na decomposição natural de uma vida que se foi, retornam de onde vieram. Se doam à Grande Mãe. Sua morte me fez mais forte. Hoje entendo que tudo aquilo que está ligado à mim, de uma forma ou de outra, sempre estará. Ficarei aqui, sozinha, mas só até a próxima estação.
A solidão nos preocupa. Dela queremos distância. Somos capazes de tudo, se nada mais nos restar. Aceitamos o inaceitável, porque não aceitamos ficar sozinhos. Queremos um amor, mas na falta dele serve um simples affair. Na tentativa de nos proteger, tomamos posse de tudo o que podemos, mesmo daquilo que nunca foi nosso. É como dormir com uma arma sob o travesseiro. A qualquer momento algo pode fugir do controle. A companhia de alguém que amamos é algo a ser compartilhado. O retido é partido, não se soma. Dizer que se tem algo ou alguém é força de expressão de uma linguagem pueril. Porque se de fato fosse nosso, grudado estaria. Permitir o ir e vir é o que traz movimento, fluidez. A água que sacia também afoga. Mata. E o medo da morte nos afasta da vida. As lágrimas, assim como as folhas de uma árvore, retornam à origem, ao chão. Porque tudo aquilo que está ligado à nós, de uma forma ou de outra, sempre estará. Perder ou ganhar é uma questão de tempo. De estação.
As perdas e as dificuldades podem se transformar em adubo para nosso crescimento. Cultive sempre a terra, e deixe com que as folhas façam o resto.
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Fragmentos de mim
No FicciónAtravés de crônicas inspiradas e sempre muito provocativas, o autor nos conduz à um passeio por algumas das maiores inquietações do ser humano. Ansiedade, amor, despedidas, medos e o poder da autovalorização são alguns dos temas abordados. Se você e...