Somos 7 bilhões de pessoas no mundo. Homens, mulheres e crianças. Ateus, católicos, protestantes, evangélicos, judeus, umbandistas, espiritas. Ricos e pobres. Heteros e homossexuais. Credos diferentes, culturas diferentes, nacionalidades diferentes, gostos e desejos diferentes. Cada um de nós trás uma impressão digital, nenhuma se repete. Somos muitos quando transformados em estatística, sozinhos na individualidade do ser. Macro e micro. O todo e o uno.
A famosa frase dos Três Mosqueteiros, da obra de Alexandre Dumas, "Um por todos e todos por um" muitas vezes se mostra irreal e impraticável. A começar pelo fato de que os Três Mosqueteiros não são três, mas quatro. Já começa precisando de uma errata. Mas vamos ver mais de perto esta fala. Quando uma pessoa diz que estará por todos (um por todos...), significa que olhará para o todo e, invariavelmente, notará cada parte deste todo. Ou seja, cada indivíduo. Olhará para cada um com interesse e não apenas varrendo os olhos sobre a massa. E, cá entre nós, olhar para o próximo com interesse é algo praticamente em extinção. Os olhares são vagos e superficiais, do tipo que apenas nos permite ver vultos e nada mais. Olhares que atravessam o outro à nossa frente para acompanhar o pensamento viajante. O olhar com interesse é aquele que pára no objeto, na pessoa, e ali fica. Olhos nos olhos, prestando atenção e estando disponível, entregue completamente ao momento. "Estou inteiro aqui e não existe lugar algum que eu gostaria de estar além daqui". É viver o presente, estar inteiro para quem quer que seja.
Uma vez ouvi "Cuidado com as perguntas que faz, pois você precisa estar preparado para ouvir a resposta". Penso que, baseado nesta frase, poucos estão. Muitos fazem as perguntas e logo desviam a atenção. Ou então, fazem a pergunta já tendo uma resposta pronta. Na verdade, queremos que o outro seja uma extensão de nós mesmos. Jogamos no outro uma expectativa que é nossa. Ou seja, não estamos interessados em quase nada que venha do outro.
Podemos imaginar que esse "todo" é constituído pela nossa família, amigos, colegas de trabalho e afins. Segundo a mesma frase dos famosos mosqueteiros, eles precisam estar disponíveis e com vontade real de nos olhar. Sabe quando acabamos de conhecer alguém, quando começamos a ganhar intimidade com ela, as mãos ganham liberdade, a boca começa a morder aqui e ali e os nossos olhos buscam desesperadamente desvendar o que está por baixo de todo aquele pano? Exatamente, é deste olhar voraz e curioso que estou me referindo. Do olhar com interesse de desnudar o outro, sem julgamentos ou pouco caso. Olhar verdadeiro, que entrega e recebe. É muito comum o todo olhar o todo, e não o indivíduo. Porque para o todo, o todo é a junção de muitos. Dá trabalho ver e reconhecer cada um. Mais fácil massificar e dizer que todos gostam disso ou daquilo. Isso é lamentável, pois, como dito anteriormente, somos diferentes na essência, na criação e na individualidade do ser. Muitos se baseiam em supostas verdades para seguirem suas vidas e controlar a de terceiros. Porém, verdade única não há. São crenças, achismos e mimos de pessoas muitas vezes inseguras e cheias de medos. Gostariam de agir de outra forma, muitas vezes de ter construído uma outra vida, mas como não tiveram condições (coragem?), podam as asas dos que querem voar.
Se somos tão diferentes, cada um de nós, como posso eu dizer à você, tão diferente de mim, o que é certo ou errado, o que deve ser feito ou não? Vim dali, você de lá. Sou assim, você assado. Gosto das flores, você das dores.
Sou o que não sei, mas me agrada vir a saber. Você não sabe quem é, tão pouco quem sou, mas me julga como se soubesse. Não me quer desperto, porque por perto me quer. Ora, que valor tem uma relação toda ela construída em um baile de máscaras? Quero ar, quero vento. Minha pele amassada pelas lembranças de uma noite tranquila. Somos o que precisamos ser e não o que querem que sejamos.
A mãe águia, em um determinado dia, empurra seu filhote para fora do ninho. Lá do alto ele vem em queda livre. De repente uma asa se abre, e a outra. Em poucos metros já está batendo asas e voando. Tal pássaro, de visão apurada, vê que a preparação do ser está na coragem e na confiança. O aprendizado, muitas vezes, é em pleno voo.
Lamento, mas minhas asas estão prontas. Te espero lá!
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Fragmentos de mim
Non-FictionAtravés de crônicas inspiradas e sempre muito provocativas, o autor nos conduz à um passeio por algumas das maiores inquietações do ser humano. Ansiedade, amor, despedidas, medos e o poder da autovalorização são alguns dos temas abordados. Se você e...