A primeira de muitas rachaduras

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Ela era um amontoado de memória e convivência. Com o coração aberto a chegadas, mas não era acostumada com partidas. Forte durante o dia e se desmontava durante a noite. Seu quarto era seu castelo e seus livros os guardiões. Sempre que os pais dormiam se desmanchava em lágrimas, na esperança de toda dor do coração sair pelos olhos. Elas eram ácidas, a ponto de abrir feridas internas, que nem o tempo era capaz de cicatrizar. Quase toda noite ia no banheiro para limpar as marcas feitas no rosto. De baixo do chuveiro pensava na vida. Refletia sobre tudo e todos. E na maioria das vezes se cortava. Os cortes não eram fundos. Nada letal. Era preciso fazer o oceano vermelho que corria dentro dela fluir. Ficava anestesiada e a cada corte ela se esquecia. Esquecia dos problemas, do quase divórcio dos pais, do bullying sofrido na escola, de tudo. E foi assim que a primeira rachadura foi surgindo no seu imenso castelo de vidro.

As confissões de um lápis surdoOnde histórias criam vida. Descubra agora