CAPÍTULO II - TORRENTE DE LOUCOS

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          Três dias depois, o alienista descobriu o mistério de seu coração.

          A caridade, é o principal foco da Casa Verde, é estudar profundamente a loucura, os seus diversos graus, classificar-lhe os casos, descobrir enfim a causa do fenômeno e o remédio universal. Este é o mistério do meu coração. Creio que com isto presto um bom serviço à humanidade.

         - Um excelente serviço.

         - Sem este asilo, continuou o alienista, pouco poderia fazer; ela me dá, muito maior campo aos meus estudos.

          De todas as vilas e arraias vizinhos afluíam loucos à Casa Verde. Eram de todos os tipos (até quem não precisava). Ao cabo de quatro meses, a Casa Verde era uma povoação. Tiveram que aumentar o local, de tanta gente. O padre Lopes confessou que não imaginaria a existência de tantos loucos no mundo, e menos ainda alguns casos. Por exemplo, um rapaz bronco, que todos os dias de pois do almoço, fazia um discurso acadêmico, com seus recamos de grego e latim, e suas borlas de Cícero, Apuleio e Tertuliano. O vigário não queria crer. Quê! um rapaz que ele vira, três meses antes, jogando peteca na rua!

          - A verdade é que nossa reverendíssima está vendo.

          - Só se pode explicar pela confusão das línguas da torre de Babel, provavelmente confundidas antigamente as línguas, é fácil troca-las agora, desde que a razão não trabalhe...

          - Essa pode ser a explicação divina do fenômeno, mas não é impossível que haja também alguma razão humana.

          - Vá que seja, e fico ansioso. Realmente!

          Os loucos por amor eram só três ou quatro, mas só dois se espantavam pelo curioso delírio. O primeiro, o Falcão, rapaz de vinte e cinco anos, acha que era a estrela d'alva, abra os braços e alargava as pernas, para parecer um raio, e ficava assim por horas até o recolher-se do sol. O outro andava sempre, à procura do fim do mundo. Era um desgraça o qual matou a mulher e um peralvilho, com os maiores requintes de crueldade.

           O ciúme o satisfez, mas o vingado enlouqueceu. E então começou aquela ânsia de ir até o fim do mundo.

           A mania das grandezas tinha exemplos notáveis. O mais notável era um pobre-diabo, que narrava as paredes toda a sua genealogia, era esta: 

          "Deus engendrou um ovo, o ovo engendrou a espada, a espada engendrou Davi, Davi engendrou a púrpura, a púrpura engendrou o duque, o duque engendrou o marquês, o marquês engendrou o conde, que sou eu."

           Dava uma pancada na testa, um estalo de dedos, e repetia novamente.

           Tinha um homem que se chamava João de Deus, dizia ele ser o deus João, e prometia o reino do céu quem o adorasse, e as penas do inferno aos outros; Um outro, dizia que se ele falasse as estrelas do céu iriam cair sobre a terra.

            Assim o escrevia no papel que o alienista lhe mandava dar, menos por caridade do que por interesse cientifico.

           A paciência do alienista era extraordinariamente assombrosa. Bacamarte começou por organizar um pessoas da administração; e, aceitando essa ideia ao boticário Soares, aceitou-lhe também dois sobrinhos, a quem incumbiu da execução de um regimento que lhes deu, aprovado pela câmara, da distribuição de comida, etc. - A Casa Verde, disse ele ao vigário, é agora uma espécie de mundo, em que há o governo temporal e o governo espiritual.           

             Uma vez desonerado da administração, o alienista dividiu em duas classes principais: os furiosos e os mansos.

             Isto feito, ele começou a analisar os hábitos de cada louco. Ecada dia notava uma observação nova, uma descoberta interessante, um fenômeno extraordinário. Ao mesmo tempo estudava o melhor regímen.  Ora, todo esse trabalho levava-lhe o melhor e o mais do tempo. Mal dormia e mal comia; e, ainda comendo, era como se trabalhasse, porque ora interrogava um texto antigo, ora ruminava uma questão, e ia muitas vezes de um cabo a outro do jantar sem dizer uma só palavra a D. Evarista.


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