CAPÍTULO XIII - PLUS ULTRA!

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        A nova terapia adotada pela Casa Verde passa a ser a corrupção da virtude dominante. Em apenas cinco meses estavam, todos curados.


          "Agora, se imaginais que o alienista ficou radiante ao ver sair o último hóspede da Casa Verde, mostrais com isso que ainda não conheceis o nosso homem. Plus ultra! Era a sua divisa. Não lhe bastava ter descoberto a teoria verdadeira da loucura; não o contentava ter estabelecido em Itaguaí o reinado da razão. Plus ultra! Não ficou alegre, ficou preocupado, cogitativo; alguma cousa lhe dizia que a teoria nova tinha, em si mesma, outra e novíssima teoria.[...]


          - Mas deveras estariam eles doudos, e foram curados por mim, - ou o que pareceu cura, não foi mais do que a descoberta do perfeito desequilíbrio do cérebro?


          E cavando por aí abaixo, eis o resultado a que chegou: os cérebros bem organizados que ele acabava de curar, eram tão desequilibrados como os outros. Sim, dizia ele consigo, eu não posso ter a pretensão de haver-lhes incutido um sentimento ou uma faculdade nova; uma e outra cousa existiam no estado latente, mas existiam.


          Chegado a esta conclusão, o ilustre alienista teve duas sensações contrárias, uma de gozo, outra de abatimento. A de gozo foi por ver que, ao cabo de longas e pacientes investigações, constantes trabalhos, luta ingente com o povo, podia afirmar esta verdade: - não havia loucos em Itaguaí; Itaguaí não possuía um só mentecapto. Mas tão depressa esta ideia lhe refrescara a alma, outra apareceu que neutralizou o primeiro efeito; foi a ideia da dúvida. Pois quê! Itaguaí não possuiria um único cérebro concertado? Esta conclusão tão absoluta, não seria por isso mesmo errônea, e não vinha, portanto, destruir o largo e majestoso edifício da nova doutrina psicológica?"


          O sábio, contudo, passa a duvidar da eficácia do próprio trabalho. O desequilíbrio mental induzido em seus pacientes não era mérito da terapia adotada pelo alienista, já que os pacientes já trariam em si mesmos esse desequilíbrio, em estado latente.


          Dessa forma, "Bacamarte achou em si os característicos do perfeito equilíbrio mental e moral; pareceu-lhe que possuía a sagacidade, a paciência, a perseverança, a tolerância, a veracidade, o vigor moral, a lealdade, todas as qualidades enfim que podem formar um acabado mentecapto."


Simão Bacamarte acaba por descobrir em si próprio o verdadeiro equilíbrio, o único ser perfeito em Itaguaí, o que é confirmado por seus amigos. A partir daí, fechou-se, só, na Casa Verde e entregou-se ao estudo e à cura de si mesmo. Ali morreu, dezessete meses depois, no mesmo estado em que entrou, sem ter podido alcançar nada.


         "Alguns chegam ao ponto de conjecturar que nunca houve outro louco, além dele, em Itaguaí; mas esta opinião, fundada em um boato que correu desde que o alienista expirou, não tem outra prova, senão o boato; e boato duvidoso, pois é atribuído ao padre Lopes, que com tanto fogo realçara as qualidades do grande homem. Seja como for, efetuou-se o enterro com muita pompa e rara solenidade

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