Escolha

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Senti minhas mãos transpirarem enquanto eu tentava me manter firme sobre o cavalo. Uma vertigem desconcertante me dominou por completo deixando meus movimentos lentos e torpes enquanto um frio glacial tomava conta do meu corpo, me congelando de dentro pra fora.

Amis protestou quando abandonei as rédeas assustando o cavalo e perdendo o controle por uma fração de segundos.

Eu nunca perdia o controle. Montava desde os seis anos.

— A essa velocidade chegaremos a tempo de ver a princesa casada com um ogro ou provavelmente oferecida como oferenda em alguma espécie de ritual do sombrio.

Pensei em golpear sua cabeça e deixá-lo estirado no caminho para que os Trolls se encarregassem do resto, mas qualquer movimento supunha um esforço aterrador. Agarrei-me com todas as forças as rédeas do cavalo e permaneci em silêncio enquanto avançávamos entre a escuridão e a incerteza que ela albergava.

Havíamos cavalgado por duas horas, talvez mais, talvez menos. Naquele momento eu já não podia pensar. Estava transpirando e meu corpo tremia vertiginosamente. Algo nublava minha vista como se de repente uma manta tivesse obstruindo o caminho a minha frente. Meu peito doía, meu corpo adormeceu...

—Talvez se você deixar que eu guie...

Levei uma mão tremula aos lábios enquanto sentia meus olhos queimarem.

Senti meu coração apertar no peito enquanto uma sensação de vazio se apoderava de mim... O que ela tinha roubado a final? Um simples beijo? Algo mais?

A última coisa que vi foi o chão que se aproximava vertiginosamente.

                                                                         *☆**☆**☆**☆**☆*

Acordei sob uma manta e ainda que meu corpo protestasse, tentei levantar, mas não tive força suficiente para sustentar meu próprio peso.

Sentia frio, dor, mas isso não era o pior...

Tinha sido envenenada.

Fechei os olhos diante da luz tênue que de pronto invadiu meu campo de visão.

—Senhor devemos deixá-la... Foi envenenada não há nada que possamos fazer em tão pouco tempo.

—Precisamos dela, a caso você já esteve nessas terras antes?

—Podemos dar um jeito nisso...

—Preciso que me deixe sozinho.

Amis suspirou e pude sentir frustração incrustada em sua voz.

—Sim senhor...

Escutei os passos tímidos do curandeiro ao afastar-se levando com ele a tocha e a pouca luz que nos iluminava.

—Alguns dizem que o beijo das sereias pode ser mortal. Mas você ainda está aqui... Suponho que todas as histórias que te rodeiam sejam verdade.

—Não está nos meus planos morrer de maneira tão vergonhosa.

Abaixou a meu lado enquanto eu me sentava com dificuldade na manta tentando controlar os tremores e mareios que me impediam pensar com claridade.

—Então vão me deixar aqui para que os guardas da corte me encontrem ou simplesmente esperarão que eu morra antes de partir?

Os olhos do príncipe brilharam como duas pedras de Turmalina em contraste com a escuridão e a sombra de um sorriso se desenhou em seus lábios cor escarlate.

—O que ela pediu em troca?

Desviei os olhos dos dele e encarei a escuridão a minha frente tentando ordenar os pensamentos enquanto minha respiração acelerava em poucos segundos.

—Não quero falar sobre isso.

—Você não precisa... Esteve delirando durante todo o caminho até aqui.

Praguejei enquanto me levantava cambaleando, apoiando-me no tronco de uma árvore em busca de equilíbrio. Se iria morrer, não seria deitada em uma manta em algum lugar desconhecido e esquecido pelos Deuses.

—Já não importa...

Dei alguns passos decididos na direção do cavalo, mesmo que meu corpo protestasse, mesmo que isso representasse desvanecer a apenas poucos metros dali.

Sua mão tocou a minha e como se eu tivesse voltado no tempo estava outra vez diante da sereia no lago... Seu sorriso perverso se aproximava de mim como se eu fosse uma presa, seus lábios tocaram os meus e me tiraram o ar...

Illián me soltou como quem recebe uma carga elétrica e por uma fração de segundos permanecemos em silêncio.

—Você salvou a vida dele.

—E já tirei muitas outras.

Não entendia o tremor na minha voz, mas não gostava disso. Fechei as mãos em punho e me afastei mais alguns passos. Illián impediu que eu seguisse adiante.

Dei-me volta e o encarei sentindo o coração acelerar terrivelmente no peito. Algo queimava em minhas veias e não era por culpa do maldito veneno.

Seus olhos pousaram sobre os meus pelo o que pareceu uma eternidade como seu eu representasse peças soltas de um plano quase impossível de decifrar.

Um conflito mudo tomou conta da expressão do príncipe enquanto eu lutava por permanecer de pé, sentindo que a cada segundo algo importante dentro de mim falhava.

—Nenhum guarda virá buscá-la se decidir ficar.

—Está me absolvendo?

—Estou te dando uma escolha.

                                                                     *☆**☆**☆**☆**☆*

Coloquei a bolsa nos ombros enquanto Amis me observava intrigado ao lado do nosso cavalo.

—Devemos encontrar um antídoto. — Disse me observando com certa relutância enquanto colocava um pequeno recipiente fechado com um líquido alaranjado na minha mão. — Você não tem muito tempo, isso ajudará a controlar a febre e a dor.

Depois de muito tempo tive a oportunidade de finalmente poder escolher.

Jamais seria recordada em nenhuma história no futuro, mas eu estive ali.

Desistir jamais havia sido uma possibilidade.


Noite eterna (Livro 1) Onde histórias criam vida. Descubra agora