Uma nova lembrança

4K 693 208
                                    


A terra era silenciosa, a morte geralmente é traiçoeira. Nunca estamos preparados pra ela. A vida é um sopro, uma roleta da sorte... Qual será o próximo número? Quando se apagará a próxima estrela?

Cavalgamos entre as sombras verde escura das folhas e o prateado resplandecente do brilho da lua na copa das árvores. Algumas vezes sentia que a floresta nos vigiava, outras pensava ver seres curiosos e minúsculos ocultos na escuridão. Na maioria das vezes delirava de febre e de dor e maldizia sentindo como o veneno se espalhava com velocidade pelo meu corpo. Como a morte, burlona e desavergonhada, caminhava com segurança na minha direção.

Ao cavalgar de mais ou menos quatro horas, cruzamos com o primeiro vilarejo depois de cinco dias de viagem. Um agrupamento de pequenas casas feitas de todos os materiais perdidas no meio de um clarão que se abria na floresta.

—Paremos aqui por algumas horas.

—Senhor se permite, creio que deveríamos avançar...

Illián pousou seus olhos sobre mim por segundos tão breves que acreditei que havia sido mais um de meus delírios de febre.

—Paremos.

Seguimos seu cavalo em direção ao vilarejo onde dentro das casas, tochas iluminavam a vida cotidiana de pessoas que haviam aprendido a viver em meio ao breu e que ainda assim comiam e conversavam felizes, desfrutando da companhia de seus familiares e amigos enquanto Etérea preparava seu exercito para dominar todas as espécies de vida existentes em Quimera.

Observei como uma menina de cabelos avermelhados e longos e olhos brilhantes conversava sorridente com um homem mais velho muito parecido a ela. Há muito tempo atrás eu havia sorrido assim também. Há muito tempo atrás havia existido alguém que havida dado a vida por mim.

Já não existia tal pessoa no mundo.

Desci do cavalo com dificuldade rezando para que minhas pernas não me envergonhassem e se mantivessem firmes, sustentando o peso do meu debilitado corpo. Entramos em uma taberna ruidosa onde homens de todas as estaturas tomavam cerveja e apostavam as poucas moedas que tinham em uma espécie de jogo de cartas enquanto outros gastavam o que tinham ganhado no jogo com mulheres voluptuosas e sorridentes.

Nossa presença não passou desapercebida.

As vozes cessaram e os sorrisos foram borrados dos lábios de cada um na medida em que nos acercávamos. Uma expressão de surpresa e confusão dominou cada homem e mulher que nos rodeava.

Para muitos Illián era quase uma lenda. A maioria de nós nunca teria tido a chance de ver o príncipe da noite se o caos não tivesse se instalado em nossas terras.

Um homem alto e corpulento com uma enorme cicatriz no rosto se aproximou um pouco nervoso segurando um pano velho e sujo que apertava entre os dedos trêmulos em uma tentativa frustrada de bloquear a ansiedade.

—Sua majestade... — Sua voz não condizia com sua aparência. Era fina e infantil, assim como seus grandes olhos cor de avelã. — A que devemos a honra?

—Precisamos de dois quartos para passar a noite e comida, por favor.

Os olhos de homem se arregalaram enquanto ele observava nervoso ao redor sem entender o que seu humilde estabelecimento tinha pra oferecer ao filho de Odon.

—Por algumas horas. — Amis complementou vendo a expressão confusa no rosto do nosso anfitrião. — Qualquer quarto seria suficiente.

Como quem volta a aprender a falar, o homem da cicatriz assente murmurando algo que não pude entender e nos guia por uma porta nos fundos da taberna, caminhando por um corredor estreito e mal iluminado e parando em frente a duas portas de madeira.

Noite eterna (Livro 1) Onde histórias criam vida. Descubra agora