Uma "doce" lembrança

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Cavalgamos por oito horas, atravessando a noite quase sem nenhum descanso, parando por poucos minutos entre intervalos longos para comer e descansar para logo depois retomar o caminho que nos levaria direto aos domínios da Etérea...

Que nos levaria ao fim e ao início de tudo.

                                                                       *☆**☆**☆**☆**☆*

—Desde que essa história toda começou venho pensando em algo... — Cortou uma maçã com a ponta afiada de uma espécie de faca de caça e levou um pedaço a boca mastigando com prazer como se aquela pequena fruta representasse um banquete. —Talvez os anciões das cortes estejam errados... Talvez a união entre as duas cortes não seja de todo ruim...

Os olhos de Illián refletiram a chama azulada da lareira a nossa frente e a sombra de um sorriso passou por seus lábios. O príncipe mordeu a própria maçã e encarou Amis que parecia esperar uma confirmação de que sua teoria não era de todo absurda.

—Que o destino tenha colocado nosso mundo nessa encruzilhada pode ser considerado sorte? — Já não havia sombra de humor na expressão do príncipe, embora sua voz fosse suave como a brisa que agitava levemente as folhas das árvores ao redor.

—O que quero dizer é que não é como se estivesse sendo obrigado a casar com a Medusa... Quer dizer... Aurora é... Ela é a mulher mais linda que qualquer mortal tenha visto! A forma como seus olhos refletem a cor de um dia cálido de verão e como seus cabelos brilham a comparação dos raios de sol... Que tanto castigo pode ser casar com alguém como a filha do sol?

—Um dia eu também pensei que poderia escolher, mas isso se torna secundário diante do que representa não ter escolha. Eu não me importo com nada mais que isso agora, me casaria com a própria Medusa se necessário fosse.

Observei como o príncipe se afastava enquanto Amis se remexia incômodo em sua manta e se preparava pra dormir.

Eu entendia sobre não ter escolhas. Na maioria das vezes eu não tinha nenhuma.

Movi-me inquieta enquanto mais uma vez via como Ferreiro ficava preso entre os escombros e o fogo. Sabia que estava sonhando, sabia que deveria acordar, mas estava presa em um mundo paralelo onde o único pai que conheci morria uma e outra vez por minha culpa e desaparecia entre as chamas.

Despertei de um salto, transpirada e agitada e por uma fração de segundos acreditei estar em casa escutando como Ferreiro entoava uma canção com algum instrumento construído por ele mesmo enquanto eu treinava com minha recente aquisição: um arco e flecha feito sob medida com o qual eu passava a maior parte do tempo na pequena floresta atrás da nossa casa.

A escuridão e a densidão das árvores ao meu redor me trouxeram de volta a realidade, embora a canção não tivesse cessado.

Ela não provinha de nenhum instrumento.

Era uma voz... Tão triste e hipnótica que senti a dor daquelas recordações me golpearem até que chegassem aos meus olhos em forma de lágrimas.

Traguei todas elas e me levantei de um salto.

Eu não chorava.

Nunca.

Illián dormia recostado em um tronco. As mãos apoiadas sobre a espada, a respiração constante e silenciosa embora seus olhos se movessem um pouco.

Talvez nem mesmo o príncipe fosse capaz de conciliar o sono em tempos como esses.

Afastei-me em silêncio enquanto jurava por todos os Deuses que mataria o estúpido curandeiro quanto o encontrasse. Não entendia por que ele estava se esmerando tanto na busca da própria morte, mas eu me encarregaria de ajudá-lo.

Noite eterna (Livro 1) Onde histórias criam vida. Descubra agora