E a última coisa que vi foram os olhos do príncipe e as lágrimas que escapavam deles como pequenos cristais...
Ele estava chorando por mim.
Fechei os olhos por fim.
Estava morrendo....
*☆**☆**☆**☆**☆*
Dois meses antes...
O encarei com um meio sorriso enquanto cuspia no chão de terra sob meus pés e sentia as pulseiras de ferro, presas em correntes grossas a uma parede de pedra, apertarem meus pulsos e cortarem minha pele.
Pude ver a expressão de superioridade e desafio estampada em seu rosto bruto, maltratado e vil enquanto ele se aproximava e me acertava em cheio um golpe duro na boca do estômago.
—Isso é o melhor que você pode fazer? — Ignorei o latejar que começava a se estender por todo o meu corpo enquanto me deleitava com o brilho de fúria que começava a colorir os olhos dele. — Eu esperava mais de um guarda da Corte.
Observei impassível como seu corpo musculoso e desajeitado se acercava ainda mais enquanto ele tirava uma pequena e grotesca navalha de um dos compartimentos quase imperceptíveis da sua armadura cor de prata.
Senti náuseas quando seu rosto se aproximou do meu de tal maneira que através do seu hálito quase pude adivinhar o que ele tinha almoçado aquele dia. Levou uma mão ao meu pescoço enquanto aproximava a navalha do meu rosto e sorriu com suficiência enquanto começava a deslizar a lâmina afiada sobre minha pele.
—Você se acha muito esperta não é? A filha de Iris... Quem diria que cairia tão baixo. Quimera ainda teme a historia da bruxa que queimou todo um vilarejo e matou cada ser que respirasse ao redor... Mas você? Você não terá tanto tempo pra isso. Sua mãe talvez tenha se convertido em uma lenda, mas me assegurarei de que ninguém se lembre que você um dia habitou essas terras.
Senti a lâmina da navalha escorregar torpemente até meu peito enquanto observava a pequena cela ao meu redor e tentava imaginar como poderia, em poucos segundos, escapar dali.
Mas estava fraca. Tinha recebido um golpe duro que ainda fazia minha cabeça latejar enquanto eu tentava imaginar o tamanho da ferida que tinha causado.
Fui pega desprevenida.
Grande erro.
Você jamais deve ficar exposta depois de matar a três guardas do rei.
Mordi os lábios e traguei o gemido de dor enquanto sentia a ponta afiada de metal perfurar lentamente meu ombro direito. Era evidente que depois de matar a três de seus companheiros ele me faria sofrer.
Observei o sangue escorrer sobre o couro da minha camisa enquanto a já tão conhecida sensação febril se apoderava de mim. Queimava de dentro pra fora, como se todas as minhas células entrassem em ebulição, como se eu fosse a própria chama, como se exalasse fogo e crepitasse como as fogueiras que fazíamos para lutar contra a escuridão vazia que tinha roubado nossos dias e nossas noites.
Fechei os olhos e esvaziei minha mente. Eu não permitiria. Jamais a usaria.
Odiava a magia embora soubesse que ela vivia em mim. Embora soubesse que eu era parte dela.
Eu tinha aprendido a lutar, tinha aprendido a matar, tinha aprendido a caçar e quando tudo se converteu em escuridão eu me adaptei.
Eu usava adagas não fogo.
Eu matava com minhas próprias mãos.
Senti a navalha escorregar e abrir um novo corte na minha cintura enquanto meu captor se divertia cantarolando uma música qualquer. Seu pequeno e infame objeto de tortura estava prestes a causar mais dano quando as velhas grades de ferro da cela se abriram e um segundo guarda se apresentou.
—Odon quer vê-la. — Ele não se dignou a me olhar. Não pude decifrar se sua voz continha medo ou desprezo diante de mim.
Antes que eu pudesse me antecipar senti um novo golpe na cabeça e tudo ficou escuro novamente.
*☆**☆**☆**☆**☆*
Acordei acorrentada a uma poltrona de maneira rústica bem no meio do salão da Corte Lua. Não que eu tivesse pisado ali antes, mas ninguém jamais duvidaria do que aquele lugar era.
Cortinas prateadas cobriam os dois lados do grande salão e embora eu não pudesse ver as janelas, sabia que estavam abertas pela brisa suave que entrava e fazia balançar os tecidos que as cobriam. Era uma dança quase hipnótica.
O teto era tão alto que por uma fração de segundos imaginei estar observando o próprio céu noturno para em seguida me dar conta de que aquele céu estava salpicado de estrelas. Desde que a maldição de Etérea havia caído sobre Quimera as estrelas haviam desaparecido.
Sob meus pés, se estendia um curioso quebra cabeça, como se o piso mudasse de aspecto cada vez que eu piscasse formando constelações e mudando a ordem dos planetas.
A uma distância que eu considerei prudente estava o trono do rei e sobre ele o rei da Lua que me observava impassível enquanto eu despertava do torpor que os golpes na cabeça haviam causado.
—Saberá me desculpar se a recepção não foi a mais cálida. — A voz do rei era como um trovão, seu olhar era gelado como a própria lua. — Mas você tirou a vida de três dos meus guardas e roubou sob meus domínios. Sabe qual é a pena para todos esses crimes?
—Seu guarda sobrevivente estava prestes a me mostrar isso sua majestade.
Seus olhos de prata encontraram os meus e me estudaram em poucos segundos como se com isso bastasse para conhecer cada segredo guardado ao longo da minha vida.
—Estou disposto a perdoar seus crimes se você estiver disposta a pagar o preço.
—E quanto vale minha vida?
—Uma viagem ao submundo. Você deve encontrar a princesa.
*☆**☆**☆**☆**☆*
Depois de ser banida de Quimera e condenada a viver entre os seres mais inescrupulosos e doentios que o mundo tenha conhecido, Etérea conformou seu próprio exército. Um exército escuro e sem escrúpulos que aterrorizou Quimera por dias inteiros e instalou o caos em cada vilarejo, matou inocentes e baniu os sonhos. Escravizou e eliminou espécies inteiras das quais já ninguém escutará falar no futuro sem deixar nenhum registro.
Dona de uma magia perversa, Etérea criou sua própria corte em terras onde ninguém jamais ousava pisar, cerrou pactos com os habitantes mais temíveis do submundo e através deles amaldiçoou o reino com uma noite sem fim.
Só havia uma maneira de quebrar a maldição. Pela primeira vez na história dos reinos Lua e Sol deveriam converter-se em um só.
Noite e dia. Uma união que Quimera jamais havia visto antes. Uma união que segundo as lendas e os anciões mais sábios das duas cortes traria infelicidade as almas submetidas a tal trato.
Quando a corte Sol e a corte Lua decidiram entregar seus filhos a um matrimônio tão inusual em beneficio do reino, Etérea jogou sua última carta.
Não havia rastros, ninguém sabia o caminho.
A única herdeira do rei Ávila havia desaparecido.
Estávamos condenados a uma noite sem fim.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Noite eterna (Livro 1)
FantasyPlágio é crime. Todos os meus livros estão registrados na Dirección nacional del derecho de autor em Buenos Aires. Expediente: 5298019 Noite Eterna será, em breve, publicado pela Editora Skull!!!! Para mais informações, IG @taylopesl 💜🌑📝 Você pr...