Dois

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Eleanor acordou com aquela pergunta martelando em sua cabeça e pela primeira vez, ela quis sair mais cedo de casa.
Queria ver se a carta ainda estava lá, por mais infantil que fosse, ela queria ver se sua fantasia estava certa.

E se ela pegasse a carta e o Coringa surgisse na sua frente?
E se ela pegasse a carta e um mágico aparecesse para levá-la para outro mundo?
E se ela pegasse a carta e um buraco se abrisse sob seus pés, fazendo-a cair no espaço e ela nunca mais pudesse sair?

Eleanor tinha 14 anos, mas sua imaginação era tão fértil quanto a de uma criança, fazendo ela se perder nos próprios pensamentos.

Ela saiu o mais rápido que conseguiu e correu até o local onde estava a carta, mas ela não estava mais lá.
Pela primeira vez ela se sentiu triste por uma coisa tão idiota.

Não foi para a escola, seguiu para a praça e sentou-se em um dos bancos.
Colocou os fones e ouviu Across the Universe pensando na vida e nos seus ídolos: Paul McCartney, John Lennon, George Harrison e Ringo Starr.
Pensou como seria se ela conhecesse eles desde criança.
Como seria se eles fossem seus melhores amigos.
Como seria se ela começasse a tocar com eles.
Como seria se ela fizesse parte dos Beatles.

-Seria incrível! -Disse para si mesma.
-O que seria incrível? -Perguntou uma voz que veio do seu lado, ela virou assustada, um homem de olhos verdes e sobretudo estava sentado ao seu lado.
-Nada, eu só estava...
-Pensando alto. -Ele a interrompeu.
-Sim.
-Costumo fazer isso com frequência. -Deu-lhe um sorriso, Eleanor sorriu de volta e voltou a mergulhar em seus pensamentos.
-Você não deveria estar na escola? -Ele perguntou, Eleanor tirou os fones e virou para ele.
-Não estou com cabeça para passar um segundo sequer naquele lugar. -Ela disse meio arrogante.
-Entendo. -Ele disse. -E pelo visto está com menos cabeça ainda para conversar com estranhos.
-Também. -Ela disse colocando os fones de volta.
-Meu nome é Maxwell Taylor. -Ele estendeu a mão para cumprimentá-la.
-Que coincidência, estou ouvindo Maxwell's Silver Hammer. -Ela o cumprimentou. -Meu nome é Eleanor Rigby.
-Sério?!
-Não, meu nome é Eleanor Winter.

A conversa se entendeu até às 1 da tarde, eles conversaram sobre os Beatles e suas músicas por um longo tempo.
-Jovem Eleanor, eu tenho que ir, foi um prazer conhecê-la. -Ele ergueu-se do banco e a cumprimentou novamente.
-Eu pensava que você ia me sequestrar, mas você é um cara legal. -Ela sorriu, ele gargalhou e seguiu andando.

Eleanor virou de costas e seguiu seu caminho, mas parou quando ouviu uma voz que vinha de trás.
-Espera! -Era Maxwell, ele vinha correndo em sua direção.
-Voltou para me sequestrar?
-Não, eu esqueci de lhe entregar uma coisa. -Ele pôs a mão no bolso e tirou uma carta. Uma carta de baralho. -Até nosso próximo encontro. -Ele colocou a carta no bolso do casaco de Eleanor e a virou para frente.
Ela virou de volta para vê-lo, mas o que viu foi um banco vazio e algumas árvores, nada mais além disso.

Eleanor correu para casa, tão assustada com tudo aquilo que esqueceu-se da carta em seu bolso.
Chegou em casa ofegante e trêmula, sua mãe a abraçou, preocupada.
-Você está bem, minha filha, o que houve?! -Sua mãe a chacoalhou, mas ela estava em transe.

Eleanor recuperou a consciência depois de muitas horas, ela estava sentada em sua cama, sua mãe, seu pai e seu irmão a observavam.
-O que foi? -Ela perguntou, foi o bastante para os seus pais derramarem oceanos de lágrimas e a abraçarem.
-Ela não morreu? -Perguntou seu irmão.
-Sai daqui, Ethan, vai perturbar outro. -Disse seu pai.

Eleanor ficou sob as perguntas dos pais o resto da tarde inteira, ela não contou sobre o que aconteceu no parque, pois sabia que não iam acreditar.
Inventou algo como: jogaram uma minhoca em mim na escola, fiquei desesperada de nojo e vim correndo para casa.
Para a sua sorte, seus pais acreditaram e a deixaram sozinha para descansar.

Eleanor ainda estava com seu casaco, mas não lembrava da carta, tirou-o e o jogou em sua cadeira, leu um pouco e foi tomar um banho.

Tudo estava tão normal no dia anterior, mas naquele dia, tudo virou de cabeça para baixo.
Só uma coisa poderia fazer tudo ficar de cabeça para cima novamente: ouvir os Beatles.

Ela terminou o banho e seguiu para seu quarto, pegou seu celular e fone e foi para a cozinha comer alguma coisa.
Cantava animadamente There's a Place, seguida por Please, Please Me e And I Love Her.
Sua mãe e seu pai riam quando ela tentava alguns passos de dança.

Finalmente sentou e comeu a janta. Aliás, sua janta favorita: lasanha e refrigerante.
Comeu tanto que não aguentou carregar a barriga escada a cima, de volta para o seu quarto.
Ela se jogou por ali mesmo e assistiu alguns episódios de The Walking Dead quando o seu celular tocou.
Antes de atender, ela escutou boa parte de Hey Jude.

-Alôu..? -Fez uma voz engraçada.
-Ellie, quem era aquele gato que você tava falando hoje, lá na praça? -Perguntou Lucy, uma amiga de infância.
-Espera aí, Lu. -Disse Eleanor, ela correu escada a cima e se trancou no quarto. -Você viu ele também?! -Eleanor perguntou.
-Claro que eu vi, um gato daquele se vê de longe.
-Não foi isso que eu quis dizer, eu estava achando que esse cara era um fantasma.
-Como assim, que babado é esse, miga?
-Cara, ele estava na minha frente, quando eu virei de costas ele simplesmente sumiu, tipo, evaporou.
-Ah, vá! Cê acha que eu vou cair nessa.
-Eu estou falando sério!
-No mínimo alguém passou e levou, já que você não pegou o bofe. -Uma voz baixinha veio junto com a frase de Lucy. -Tenho que ir, até amanhã, vaca. -Disse ela, rindo.
-Também te amo, cadela. -Eleanor desligou.

Deitou na cama e adormeceu. Novamente sonhou com a carta, mas ela não estava mais na rua, ela estava num lugar escuro e abafado, com papel de balas e um botão marrom.
Ela sentiu que a carta estava perto e outra pergunta surgiu em sua cabeça:

Onde está a carta?

A Door To The PastOnde histórias criam vida. Descubra agora