Quatro

890 98 132
                                        

Era estranho estar ali, andando pelas ruas de Liverpool sob os olhares curiosos das pessoas que passavam.
O que havia de errado? As roupas, claro.
Eleanor andava com roupas de 2016 em 1957, claro que iam estranhar.

-Preciso de um vestido. -Disse mentalmente.

Eleanor não gostava muito de vestidos, ela se sentia nua quando saía trajada em um.
Usou o dinheiro que Maxwell deixara aos pés da porta vermelha para comprar alguns vestidos.

Não havia muito para fazer ali, já que ela não ia sair como uma louca procurando os Beatles.
Resolveu andar pelas ruas cheias de gente antiga, com cheiro de sua avó.
Pensar em sua avó lhe trazia boas lembranças de quando ia visitá-la, em sua fazenda, das histórias que ela lhe contava, comendo seus bolos de chocolate, das suas sopas, de seus biscoitos. Mas pensar em sua avó também lhe trazia lembranças não tão boas.

A avó de Eleanor morreu assim que ela completou onze anos, de uma parada cardíaca. Eleanor não foi ao enterro, seus pais não permitiram, mas ela chorou muito em casa.
As lágrimas corriam soltas por seu rosto, quando alguém esbarrou nela, fazendo-a cair e voltar para o futuro do passado.

-Qual o seu problema?! -Eleanor perguntou, limpando as lágrimas do rosto.
-Desculpa, eu não tenho culpa se você anda mais distraída do que eu. -Disse uma voz bem familiar, Eleanor ergueu os olhos para o rosto do garoto que ela sonhou ver pessoalmente. -Tá chorando?
-Não, imagina, estou lavando os olhos de dentro para fora! -Eleanor respondeu, se segurando para não rir.
-Mas nem doeu, eu não senti. -Disse ele, estendendo a mão para ajudá-la a levantar e aproveitando para a cumprimentar. -John. -Eleanor se segurava para não abraçá-lo e beijá-lo.
-Eleanor, Sr. John.
-Muito prazer, Srta. Eleanor. -Ele deu um sorriso tão lindo que Eleanor quase o estrangulou de emoção.

Eles passaram meia hora sacudindo as mãos, conversando como se conhecessem há muito tempo.
Um ônibus parou próximo a eles e John a puxou para dentro.

-Como você puxa uma garota que você acabou de conhecer para dentro de um ônibus? -Eleanor perguntou.
-Com as mãos, ué! Difícil seria puxar com os pés! -Ele respondeu. -De onde você é Srta. Eleanor?
-De muito longe.
-Certo, Srta. Misteriosa, fique com seus segredos.
-Eu vim de outro país e estou perdida aqui, Sr. Curiosidade. -Ela respondeu. Na verdade queria responder "Eu vim de outro tempo só por você e os outros Beatles, me ame!", mas se segurou ao máximo.

O ônibus parou, John desceu puxando Eleanor e entrou em sua casa.
-Olhe, Paul, ela me seguiu até em casa, podemos ficar com ela? -John perguntou puxando Eleanor para a cozinha.
-Não me trate como um cachorro, John! -Eleanor disse se soltando de John e voltando para a sala.

Há muitos anos atrás, quando Eleanor tinha seis anos, um grupo de valentões de sua antiga escola a obrigaram a agir como um cachorro, na frente de todos, ela teve de urinar em uma pilastra da escola e teve de pegar gravetos que lançavam. Mas tudo isso era pouco, pois o que veio depois foi a gota d'água: Eleanor foi agredida, como os cachorros de rua são. Depois do acontecimento, Eleanor nunca mais pôs os pés naquela escola outra vez, mas aquelas lembranças a assombram até os dias do passado (Pois "dias de hoje" não faria sentido nessa frase).

Eleanor estava sentada no sofá de John, chorando suas lembranças e mandando-as para longe.
John e Paul foram para a sala e sentaram-se ao lado dela.
-Como que você mal conhece a garota e já a faz chorar, John? Assim não vai casar nunca! -Disse Paul.
-Não amola. -John ignorou Paul e virou-se para Eleanor. -O que foi? Foi alguma coisa que eu disse?-Enquanto Eleanor contava toda a história para John, Paul preparava um chá na cozinha.

Eleanor não estava bem, se sentia mal pelas memórias e se sentia feliz por estar conversando com um dos Beatles.
Tudo foi muito rápido, parece que a viagem no tempo a afetou. Ela mal tinha cruzado a porta e já havia encontrado John Lennon, que do nada a puxou para um ônibus e a enfiou dentro de casa, como se fossem amigos de muitos anos.
Eleanor já tinha um culpado para isso: Maxwell.

-Onde você mora, Eleanor? -Perguntou Paul, Eleanor tomou um pouco do chá. Ela ia falar, mas John falou primeiro.
-Ela mora em outro planeta. -Disse ele, Paul o encarou.
-Eu disse Eleanor, não John. -Paul virou-se para Eleanor.-Ok, John, onde você mora? -Referiu-se a Eleanor como John.
-Atualmente, em lugar nenhum. -Eleanor respondeu dando outro gole no chá.
-Então, Paul, podemos ficar com ela? -John perguntou. -Vê se não chora dessa vez! -Virou-se para Eleanor, ela riu. -Isso, bem melhor sorrindo.
-A casa não é minha, John. -Disse Paul, John suspirou. -Mas por mim, tudo bem.
-Pronto, nós terráqueos aceitamos você, extraterrestre, em nossa casa. -Disse John, Eleanor riu com Paul.

Eleanor ainda não estava acreditando que seus cantores favoritos estavam deixando ela ficar sob o mesmo teto que eles.
John e Paul mostraram que um pequeno quarto no andar de cima seria o de Eleanor. Era um quartinho apertado, mas bem confortável, Eleanor largou a mochila da escola num canto escondido, pois lá dentro estava o livro A Vida dos Beatles e seu smartphone, se John ou Paul os encontrasse seria trágico.

-Já volto. -Disse John, saindo do quarto. Ele voltou alguns minutos depois segurando um violão. -Sabe tocar, Eleanor?
-Só piano, não aprendi a tocar violão muito bem, apenas sei alguns acordes. -Ela respondeu, John lhe entregou o violão e ela tocou. -Viu, nada de épico.
-Nossa, eu achava que você tava mentindo, só pra dar uma de coitada, mas não, você toca mal mesmo. -Disse John, Paul jogou um travesseiro em sua cara.
-Não seja grosseiro, ela tocou como você quando estava aprendendo, ou acha que todos nascem sabendo? -Paul sorriu para Eleanor, seu sorriso era tão lindo quanto o de John. Eleanor sentia que, lá no fundo, uma vontade de contar a verdade e abraçar eles como nunca, crescia, mas ela precisava se aguentar e deixar tudo acontecer com o tempo.
-Ai, Sr. McCartney, perdão, não me engula! Piedade! -John fez uma voz de mulher enquanto jogava o travesseiro de volta em Paul.
-Da próxima eu jogo um tijolo. -Paul disse dando-lhe um sorriso, John fingiu que ia bater nele com o violão.

A noite caiu como uma pedra, rápida e barulhenta. Do quarto de Eleanor dava para se ouvir o som animado do violão de John e da guitarra de Paul.

Eleanor desceu as escadas trajada em um lindo vestido amarelo com uma fita negra, John e Paul ficaram encantados.
-Veio preparada para a festa, então vamos dançar! -Disse John, ele puxou Eleanor para o centro da sala e começou a dançar.
-Eu não sei dançar, John! -Ela disse, enquanto John a virava de um lado para o outro.
-E nunca vai aprender se repetir para si mesma que não sabe. -Ele disse, Eleanor ficou calada. -Te calei, viu, eu sou o rei!

Eles se divertiram por algumas horas, até um vizinho mal humorado bater na porta deles, reclamando do barulho.
-Sim, senhor, vamos parar. Perdão por isso. -Paul dizia enquanto fechava a porta tentando se livrar do velho chato. -Não entendo o porquê dessa chatice dos velhos, quando eu ficar velho eu não vou ser chato desse jeito.
-Eu tenho certeza que não vai. -Eleanor disse.
-E eu? Eu vou ser um velho chato? -John perguntou enquanto tocava uma guitarra invisível
-Não sei dizer, John. -Eleanor respondeu.
-Eu acho que vai, aqueles velhos bem chatões, que reclamam de tudo. -Disse Paul, John riu
-Chato ou legal, acho que nunca saberemos. -Disse Eleanor.
-É um mistério que só o tempo revelará. -Disse Paul.
-As vezes o tempo é bem cruel quando revela seus mistérios. -Eleanor disse.

A Door To The PastOnde histórias criam vida. Descubra agora