O seu cheiro de álcool impregnava o local onde estávamos. Meu olhar desconexo e curioso foi o motivo que o levou a soltar um sorriso debochado. Não sei dizer ao certo o que eu estava sentindo, mas uma confusão se passou por minha mente. Medo de que acontecesse de novo assim como foi da última vez. Receio de me ferir novamente. Angústia de não conseguir me defender a ponto de deixá-lo longe de mim. Por que ele tem que ser assim?
Durante toda a minha vida eu vivi recebendo as suas ordens como se eu fosse uma boneca de porcelana. Eu não era livre para opinar, fazer minhas escolhas e até mesmo sair sozinha. Vivia dentro de um recinto que me deixava presa, mas eu aguentei. Muitas pessoas já me avisaram sobre o que o amor pode ocasionar, e eu tinha a consciência de que viver uma paixão tão intensa poderia me trazer feridas, só não imaginava o quão dolorido podia ser. Esse amor antigo me deixava sufocada, e eu estava começando a ficar doente de tanto martírio.
Acredito em segundas chances. Acho que temos o direito de escolher se é necessário melhorar em algo ou não, mas algumas pessoas passam do ponto. Ele passou. Dei uma, duas, três tentativas para reverter suas palavras, mas nada resultou em algo bom. E ver ele aqui, parado na porta de minha casa, fez com que eu reprimisse a guarda novamente. Não com medo dele, longe disso, mas com temor do meu próprio sentimento.
- Você não vai me deixar entrar? - sua voz rouca tomou conta do ambiente. Eu apenas tive coragem de cruzar os braços como se ele não tivesse aqui na minha frente. Sei que estou correndo um grande risco, mas eu preciso desafiá-lo.
- O que você faz aqui, Gabriel?
- Oras... Recuperando o que é meu - ele diz com um sorriso de bêbado e me empurra, entrando em casa cambaleando. Gabriel olha ao redor como se estranhasse o lugar, e entendo o motivo. Tudo o que era dele ou me lembrasse a ele, eu joguei fora. Fotos, cartões, objetos, coisas inúteis que com o tempo serão esquecidos. - Nunca pensei que faria isso, mas eu peço o seu perdão.
Olho para ele com uma sobrancelha arqueada como se tivesse falado uma barbaridade. Na verdade, o que foi dito não passa de uma atrocidade. É tanta hipocrisia ele falar aquilo que o meu estômago chega a embrulhar.
- É tão irônico essa sua cara de pau, Gabriel - digo nervosa e vou pegar um copo de água para me acalmar. - Precisa repetir tudo isso? Você foi embora e finalmente me deixou em paz, e tudo isso por causa de uma outra mulher. Escuta, o que te levou a fazer o que fez?
- Ana, preciso que me ouça com cautela - ele anuncia e se aproxima de mim, mas eu dou três passos para trás, livrando-me de suas mãos ásperas.
- Não vou desperdiçar o meu tempo livre com você.
- Só três minutos - insiste e eu reviro os olhos, sendo vencida dessa vez. Já sei de tudo o que ele irá falar, de todas as chantagens e mentiras que passarão batido em minha mente. - Eu estava muito enganado a respeito de nós. Te tratei tão mal, mas vi o erro que fiz. Aquela mulher foi um divertimento, mas você é a minha realidade.
Seria tão bonito ouvir isso em um outro momento, mas nada disso me comoveu. Suas palavras movidas a cerveja não me encantam a ponto de fazer eu voltar aos seus braços. Não consigo sentir raiva, rancor, amor e muito menos compreensão. Na minha mente, essas palavras não se encaixam mais no meu opulento vocabulário. Era como se o meu coração, que antes palpitava a cada milésimo de tempo, não estivesse mais em meu corpo.
- Eu já ouvi isso na primeira vez que você pediu perdão. Fui tão tola em te aceitar de volta, pensei que amor era aquilo, me machucar para fazer o outro feliz.
- Ana, por favor - ele anda em minha direção e se ajoelha. - Olha! Eu estou aqui, implorando para sermos aquele casal amoroso de sempre.
- O sempre não existe, Gabriel! - grito ignorando se os vizinhos irão reclamar ou não. - Você não percebe? Tudo um dia acaba. A felicidade, o sossego, até mesmo nós não vivemos para sempre, e o nosso amor se incluí nisso. Nada que você diga irá fazer eu mudar de ideia. Não mais - finalizo ríspida.
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Short StorySomos autores que acham que a combinação de música e livros pode mudar o mundo! ✳✳✳ Melhor Ranking: #51 em Conto (06/07/2016)