Always

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 - Não, cara. Eu sinto muito, mas realmente não vou poder sair esta noite – Ângelo gesticulava, falando ao celular com Cadu. – Tô falando sério, mano. Tenho uma prova amanhã e ainda não estudei nada – Ele tentava soar o mais paciente possível diante da irritante insistência do amigo. – Seguinte: amanhã à noite eu tô livre, e a gente sai, fechou? – Conseguiu, por fim, cortar a enxurrada de contestações redigidas por Cadu. – Ótimo, divirtam-se. Falou!

Ângelo então encerrou a chamada e jogou o aparelho entre os cobertores e travesseiros espalhados sobre sua cama, cuja bagunça já vinha sendo acumulada há dias. Puxou o livro de Física em sua pequena estante particular suspensa na parede bem ao lado da cama, deitou-se de bruços e pôs-se a folheá-lo. Não era um conteúdo muito difícil para ele, que amava a disciplina e ficara absolutamente atento às dinâmicas explicações de Daniel, seu professor. Passou rapidamente as páginas dos capítulos destinados ao teste em busca de alguma fórmula ou conceito desconhecido e, não encontrando, repousou o livro no seu leito espaçoso, detendo-se a encarar o teto.

Olhou para o relógio de pulso descansado sobre a cabeceira: 18h36min. Mau sinal. Ainda era muito cedo, e ele não tinha o que fazer durante a noite inteira.

Levantou-se da cama, foi até o guarda-roupa, tirando de uma das portas do móvel uma case fabricada em plástico resistente com cor preta, e de lá tirou sua singela guitarra ­stratocaster vermelha e branca. Com o instrumento em mãos, voltou para a cama, agora se sentando no ângulo reto criado entre a parede e o colchão, palhetando notas aleatórias de um repertório descompromissado. O som pouco se fazia ouvir, uma vez que a guitarra não estava ligada – esse era um dos truques de Ângelo para enganar sua consciência, que insistia em lembra-lo: "você deveria estar estudando". Apesar de muito empenhado, ele não tinha o hábito de estudar para as provas, pois não via necessidade; e sua mente de "bom moço" fazia questão de não perdoá-lo por isso.

Os clássicos do rock mundial não eram tão empolgantes sem amplificadores e caixas de som, Ângelo aprendeu isso da maneira mais entediante possível. Guardou o instrumento, checou novamente o relógio, e um leve desespero se apoderou dele ao constatar que ainda nem eram 19 horas. Cogitou tomar algo para dormir mais cedo, porém a ideia que mais lhe agradou foi a de telefonar para Cadu dizendo que voltara atrás com a decisão. Talvez ainda desse tempo de sair com sua turma.

Catou o celular entre os lençóis e, enquanto digitava o número do amigo, ouviu a campainha tocar.

- Ótimo! – Pensou em voz alta. – A estas horas deve ser o Cadu querendo me convencer pessoalmente. Não seria a primeira vez, ele sabe que isso sempre funciona.

Do andar de cima, o garoto pôde ouvir o portão ser aberto, e conversas em tom mais alto que o usual sendo estabelecidas. Passados dois minutos de plena curiosidade, ele excedeu sua capacidade de se conter e desceu as escadas a largos passos.

Aproximadamente no décimo degrau, após a curva que a escadaria projetava, era possível distinguir a figura de dois casais com meia idade na sala de estar: Guilherme e Sofia, os pais de Ângelo; Roberto e Janice, pais de sua ex-namorada. "A Menina Encrenca aprontou novamente", Ângelo não conseguiu evitar o pensamento.

Vendo o rapaz a descer, dona Janice, que já levava lágrimas no rosto, correu até ele e o abraçou com a maior força que seus braços magros e trêmulos permitiam, soluçando:

- Meu filho – O pranto interrompia morbidamente sua fala. – Você não sabe onde está nossa princesa?

Por Ângelo e Rosaflor terem crescido bem próximos, Janice o tinha como um filho. Alegrou-se bastante quando eles começaram a namorar e ficou mais desolada que o casal quando terminaram.

Ouvi um ContoOnde histórias criam vida. Descubra agora