Mirrors

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Dizem que quando morremos nosso cérebro ainda funciona por um tempo, o suficiente para que toda nossa vida passe diante de nossos olhos.

Desde que William se foi meus dias eram iguais, arrumava a casa e depois ia até nosso quarto para olhar as suas coisas, sim, mesmo depois de anos ainda guardo tudo que pertenceu a ele um dia, quando sinto seu cheiro a saudade bate mais forte, a nostalgia é tanta que sinto uma lágrima custosa escorrer por meus olhos.

A dor que sinto no meu peito é real, a pontada se intensifica levo minha mão e aperto o lugar que está meu coração com a esperança de que ela passe, porém é em vão. Aos poucos vou perdendo a força das pernas e me sinto caindo devagar, agora estou de joelhos olho para o espelho que está em minha frente e me vejo assustada, meu rosto enrugado forma uma careta de dor, a camisa dele ainda está em uma de minhas mãos, mas o que me chama a atenção é meu querido e doce William parado em pé ao meu lado, porém o rosto velho e cansado dos seus últimos dias desapareceu devolvendo a aparência do rapaz que conheci a tantos anos atrás, ele se aproxima e coloca sua mão em meu ombro, nesse momento começo a perder todos os meus sentidos, toda a confusão de dor e surpresa desapareceu.

Quando abro meus olhos não estou no chão do meu quarto como imaginei que estaria, me encontro em um corredor, posso ver várias portas por toda sua extensão, estendo minha mão para a mais próxima que é toda branca, sem detalhes e giro a maçaneta. Percebo que é uma sala e ela me mostra o momento do meu nascimento, fecho a porta e ando em direção a próxima, vou entrando em uma por uma, porém as imagens dos primeiros anos da minha vida passam depressa, são apenas borrões e tão rápido quanto as abro elas se fecham a minha frente, continuo avançando por cada uma delas, até que vejo uma diferente, uma porta mais ornamentada, estendo minha mão e me sinto sendo sugada para dentro daquela sala, diferente das outras não sou mais apenas uma espectadora passo a ser a atriz principal interpretando o meu próprio papel.

As lembranças que passavam como flashes começaram a ir em câmera lenta, me vi entrando no bar vestindo uma jaqueta jeans, com um lenço vermelho no pescoço, passei por uma mesa de sinuca ignorando os rapazes que estavam jogando nela, um deles me olhou porém fingi não notar, pedi uma bebida e fiquei observando de longe enquanto sentia o líquido quente descer rasgando minha garganta.

Como um convite, colocaram uma música no jukebox, os casais se juntaram na pista para dançar, comecei a girar sobre os meus pés, parada no mesmo lugar só sentindo a melodia, o rapaz que me seguiu com os olhos quando cheguei veio em minha direção e começou a rodar ao meu lado em silêncio, quando completamos uma volta e nosso olhar se encontrou, sorri e ele me respondeu devolvendo o sorriso, ao mesmo tempo a música acabava. Porém, logo em seguida começou outra, mais agitada e de novo sem convite começamos a dançar como dois loucos, ele segurou minha mão e me puxou me fazendo girar, depois começamos balançar a cabeça dando bobeira, riamos tanto que senti minha barriga doer, ainda não estava bêbada então julguei que o motivo da minha felicidade era o garoto que dançava ao meu lado, mas que ainda não sabia o seu nome.

Como esperado a música acabou, já estava cansada então fui em direção a porta para ir embora, o garoto me seguiu, quando me virei para perguntar qual era a dele, ele me jogou contra a parede colocando suas mãos em volta do meu corpo me deixando presa. Minha respiração que já estava ofegante, ficou ainda mais intensa quando olhei nos seus olhos negros como a noite, sem permissão ele me beijou, um beijo forte e feroz, meu coração disparou, não tinha forças para empurra-lo então fiz o que achei mais sensato, coloquei minhas mãos em seus cabelos e o puxei para mim devolvendo seu beijo com intensidade, suas mãos deixaram a parede e envolveram minha cintura.

Me senti sendo puxada e então fui expulsa daquela sala, andei em direção a próxima porta que era cheia de bolinhas coloridas e sua maçaneta imitava um nariz de palhaço, entrei. Estávamos em uma festa com tema de circo, me divertia entre malabaristas, contorcionistas, trapezistas com o William sempre me guiando. Ele me levou até um mágico que passou a mão atrás da minha orelha e tirou um anel prata com pedras brancas, ele era todo trançado, senti meus olhos encherem de lágrimas, quando me virei percebi que o cara da sinuca estava ajoelhado na minha frente.

Ouvi um ContoOnde histórias criam vida. Descubra agora