IX - O critico das Estrelas Michelin

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A chuva continuou na manhã dessa terça feira, nem o sol se ousou a aparecer, nuvens pesadas findavam o céu. A brisa gelada dominou todo o quarto, Flora fechou a janela e tremeu de frio. Lá fora a nevoa invadia a paisagem. Tomou um banho quente, fez um café, comeu umas torradas, escovou os dentes e terminou de se aprontar. Hoje o dia seria corrido mais que o normal, era dia de testar as receitas para a visita do critico gastronômico. Por sorte, ontem com todo aquele clima que rolou com Vincent Flora teve uma ideia para a sobremesa, estava pensando em fazer um Mil folhas com creme de redução de vinho tinto e frutas vermelhas, mas precisava testar o creme. Estava com calça jeans cintura alta, uma blusa social bege, nos pés coturnos pretos confortáveis e quentes e o sobretudo creme. Seria frio o dia todo, o inverno estava chegando. Pierre já estava na cozinha adiantando os pré preparo do jantar de hoje a noite, o teste seria depois do fim do serviço. -Flora querida, o que você acha de o prato principal ser, codorna recheada com mix cogumelos salteados na manteiga e alho, servida com aspargos grelhados em sal grosso, cenouras em miniatura salteadas e brotos de beterraba? Falou sorrindo, pingando de suor. Ele estava muito animado e nervoso, afinal estava prestes a receber 3 estrelas. -Você vai acabar tendo outro infarto. Disse sorrindo e levando um copo com agua gelada até ele. -Ah, e eu achei a ideia fantástica! Você é o melhor, que sorte a minha trabalhar com você. Disse gargalhando. Mas era verdade. -Que molho você vai fazer? -Meu Deus, você está me deixando lisonjeado. E não, ainda estou em duvida sobre o molho, mas sei que vai ser cítrico. Disse. -E você querida, o que pensou em fazer? O Jean disse que queria fazer uma massa. -Ravioli é ideal para entradas, boa escolha Jean. Disse Flora voltando-se para ele, que sorriu animadamente. Jean era o cozinheiro, entrara na equipe á 6 meses, estava terminando a faculdade de gastronomia. -Sugiro que sirva com um recheio leve e com um caldo claro, você pode usar a carcaça da codorna e legumes, o que acha? Ela falou. -Esplendido! Posso fazer o recheio de rúcula e tomate. -Tô gostando de ver, rapaz! Disse Pierre. Eles conversaram um pouco enquanto preparavam os pratos dessa noite, no meio da brincadeira comentaram que Flora estava no mundo da lua ultimamente... -Se não a conhecesse diria que está apaixonada. Disse Pierre sorrido, todos caíram na gargalhada. Nesse momento Flora desejou ser invisível, e acabou batendo a cabeça na bancada de mármore quando se abaixou para pegar a faca que tinha deixado cair. Tentou mudar de assunto. -Vou fazer um mil folhas com três tipos de cremes, todos a base de vinho tinto. Um doce, um leve e outro cítrico, quero fazer uma sobreposição de cores e servir com pequenas flores comestíveis. Disse, ainda abalada por ser o centro da discursão anterior. -Parece maravilhoso querida. Pierre passou as mãos em seus ombros. Terminaram o serviço e fecharam o restaurante mais cedo, limparam a área de trabalho e começaram os testes. A primeira tentativa dela não deu muito certo porque não conseguiu equilibrar os sabores, começou a ficar preocupada, o bendito creme leve não estava leve o suficiente, na segunda acertou. Os outros pratos também ficaram deliciosos, e com aparência irresistível. Mesmo quando terminaram a chuva ainda estava a cair. Se despediram e foram embora. Quando chegou em casa, estava só o caco. Tomou banho e caiu na cama. O bom disso tudo, desse cansaço e da rotina cheia, é que não deu tempo para pensar bobagem.

No dia seguinte Flora não queria levantar, estava frio demais para isso e se querem saber, não estava chovendo. Mas hoje era um dia importante, tanto que ela só veio lembrar dos pesadelos que tivera na noite passada quando estava a caminho do restaurante, causados pela ansiedade excessiva. Flora tinha o problema de criar expectativas, criar expectativas é horrível, esse sentimento de esperança sempre acaba com tudo, e pior ainda se você cria expectativa até sobre o que vai comer na cafeteria no próximo domingo, ou sobre que roupa vai usar, é coisa demais para uma cabeça só. Pensar demais enlouquece. Terapia não resolve, ela já tentou, duas vezes na verdade, mas foi o suficiente. Outro pequeno problema sobre ela é que ela não consegue se abrir pra ninguém, guarda tudo dentro de si não sei como não sufoca. Os problemas dela não se resumiam somente ao restaurante, mas estava com a cabeça e o coração a ponto de explodir por causa de Vincent, ela não queria ter que se sentir assim, não estava conseguindo controlar. Ela nunca se relacionara antes, digo, um relacionamento serio. Sempre foi muito solitária e não se importava muito com isso, agora que tivera o gosto da paixão avassaladora não conseguia se imaginar diferente e sem isso, o que era uma péssima ideia se formos analisar que eles mal se conhecem, se beijaram duas vezes e ela já estava apaixonada, sabia ela que estava perdida. Odiava não ter respostas e ter que esperar para ver as coisas acontecerem.

No restaurante tudo ocorreu tranquilamente, o serviço estava muito bom e eles estavam aguardando a chegada do critico, que geralmente se passava por um cliente comum pra ter uma visão mais ampla do ambiente e da comida, então os garçons teriam que ficar atentos aos sinais silenciosos que eles deixavam para avisar ao pessoal da cozinha. -Chegou um senhor de óculos dourado e terno vinho, ele deixou cair um garfo, troquei por outro e ele fez o pedido. "A sugestão do chef, por favor." Disse um dos garçons. A cozinha ficou um caos. -A entrada em 7 minutos Jean, anda, está esperando o que? Ele já tinha preparado a massa fresca algumas horas antes e deixou secando, fez o molho e agora só precisava cozinhar a massa e montar o prato. O chef Pirre pôs a codorna no forno, ficaria pronta em 15 minutos, como tinha de ser. A sobremesa também já estava pronta. -Chef, ele disse que quer lhe ver. Disse um dos garçons. -Diga que já estou indo. Limpou o rosto com sua toalhinha, tirou o avental e saiu em direção ao salão. -Que experiência maravilhosa! Disse alisando o bigode, que á proposito era bem grande. Era um homem pançudo de altura mediana, cabelos repartidos ao meio e voz de quem tem a língua presa. -Ah, fico feliz que tenha gostado. Fizemos tudo com muito carinho! Disse o chef sorrindo, apertaram as mãos e o critico saiu pela porta. Agora só restava esperar a critica sair no jornal. Voltou para cozinha e disse: - Pareceu que ele gostou, mas sabem como são os críticos. Vamos torcer. Disse. - Mas estão todos de parabéns, foi um trabalho excelente independente do resultado. No fim, tudo sempre, na maioria das vezes, e dependendo do motivo, acaba bem. Era melhor acreditar que é assim.

Em casa ela fez seu jantar, tomou um banho, deu comida ao Eros, o gato, e ficou deitada no sofá imaginando como seria o encontro com ele amanhã... Tentou imaginar o porquê de ele ter se interessado por ela se ela nem era tão interessante assim, e se ele também estava pensando nela, não devia estar, pensou. Ficou perdida nos pensamentos e nem viu a hora passar, sorte que amanhã ia trabalhar mais tarde e não precisava acordar tão cedo, por causa das horas extras do outro dia. Aproveitou para pôr em dia a serie preferida do momento Black Mirror. Acabou adormecendo no sofá, de novo. Nem viu que o celular tocou, notificação no whatsapp. Era Vincent. "Não vou poder ir amanhã, me desculpe. Houve uns imprevistos no trabalho e vou ter que sair da cidade por dois meses. Você vai ficar chateada? Podemos nos falar por telefone esse tempo que estiver fora, assim podemos nos conheceremos melhor e quando eu voltar, te levo para sair... Ps: Não paro de pensar em você."

Flora e os Cogumelos ComestíveisWhere stories live. Discover now