III - Um café si vous plait

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Todo o domingo de amanhã Flora vai a uma pitoresca cafeteiria local, a dona e também garçonete é muito simpática, o ambiente era lindo e todo decorado com flores e o mais importante, flores falsas. Essa era outra de suas manias, era completamente contra o assassinato de uma flor apenas para ser apreciada por uns instantes por puro capricho, quando é muito mais promissor uma semente em um vaso e rega-la até florescer. Além de que a comida era ótima.

–Oh, que prazer, minha cliente favorita! Com um sorriso no rosto a garçonete que tinha um coque trançado no alto de seu couro cabeludo loiro, Rose. Devia estar na faixa dos quarenta e poucos anos, já lhe havia na face rugas de expressão acompanhada de olhos tristes e sorriso meigo. –O dia está lindo lá fora, não é? Comentou Flora. –Oh, sim querida, está um dia maravilhoso. Flora já conversara com Rose diversas vezes antes, Rose era uma mulher infeliz, não tinha filhos e morava sozinha, sua família residia na Itália e ela foi abandonada pelo marido por uma mulher mais nova. "–Da sua idade..." Dissera ela certa vez. Flora sempre senta na mesma mesa pois é ao lado das janelas e perto da cozinha, o suficiente para sentir o cheiro maravilhoso de café fresquinho. –O que vai querer comer, meu bem? –Waffle com frutas vermelhas e um cappuccino, por favor. Ela anotou os pedidos, olhou para Flora, sorriu e foi em direção a cozinha. Enquanto seu pedido não chegava ela pensou em como a vida era estranha e injusta, cada um com seus fardos, uns mais pesados que outros. Na maioria das vezes ela reconhecia os rostos de algumas pessoas que eram rotineiras como ela, e outras vezes eram clientes novos. Ela tinha mania de imaginar como era a vida daquelas pessoas, se eram felizes ou não, quais seriam suas profissões ou o que cursavam na faculdade, se tinham filhos, que tipo de música ouviam, porque vieram comer aqui e constantemente era pega encarando desconhecidos e quando estes notavam e a encarava de volta ela sorria constrangida e desviava o olhar para a janela. Certa vez em uma dessas suas observações encarara um homem de aparência sofisticada com um terno preto e gravata listrada vermelha, era sua primeira vez por lá, pensou, deve ter mais ou menos 26 anos e deve ser advogado ou executivo deduziu pela sua vestimenta, a barba bem cortada, deveria ter ido a uma barbearia a pouco tempo, cabelos negros sedosos, sobrancelhas marcantes e olhos azuis escuro, de longe pareciam pretos azulados. Segurava uma xícara de café a altura da boca quando ia dar um gole virou-se em sua direção e a encarou com seus olhos sedutores, desta vez ela não sorriu, estava nervosa, virou-se. Depois uns minutos levantou-se e saiu, desde então ela sempre o vê aqui quando vem. Flora não o encarou mais, felizmente há outros alvos ainda não descobertos.

–Aqui está querida, espero que goste. Disse Rose sorrindo e acrescentou: –Seu admirador me perguntou desta vez o que você faz quando não está aqui. Sussurrou. Flora corou até a alma. –Admirador? Por favor Rose, não começa. Não conseguindo conter o sorriso no canto da boca enquanto falou. Todas as vezes depois daquele dia quando eles estavam lá no mesmo espaço e na mesma hora ele perguntava a Rose algo sobre Flora. –Eu disse onde você trabalha e ele pediu para te entregar isso. Era um cartão com seu nome e telefone. Rose foi atender clientes que acabaram de chegar. Quando comeu tudo, Flora a chamou de volta, sorriu, pagou a conta e se despediu com um abraço.

Na praça sentada em um banco perto do lago, a bicicleta caída na grama, o céu azul sem nuvens, ela observa as pessoas ao seu redor aproveitando o domingo, fazendo piqueniques, passeando com seus cachorros, jogando tênis com as crianças, elas parecem felizes, Flora fecha os olhos, respira fundo, suspira e sem perceber sorri. Tira da bolsa restos de bolacha e joga no chão, logo seus companheiros famintos aparecem. Num banco próximo ao seu estava sentado um senhor de cabelos brancos que alimentava outra esquadrilha de pombos com uma mão enquanto a outra segurava sua bengala. Ela olhava mas não sabia o que via, acenou para ele e ele apenas maneou com a cabeça. Do outro lado da praça ela avistou Oliver, seu amigo pintor, daqueles que pintam telas no meio da rua, e foi ao seu encontro. Quando ele a vê estende-lhe os braços e a envolve em seu abraço de urso. Era alto e magro, cabelos e barba mal feita loiros, tinha dreads longos e carregava nos olhos um óculos de sol que abaixou na altura do nariz para observar Flora, em seguida levou o óculos a cabeça. Estava com a sua tela montada, e já começara a pintar. –Flora! Que felicidade revê-la. Falou Oliver com um cigarro e sorriso nos lábios. –O que está pintando? Perguntou curiosa. Ele realmente tinha um talento incrível, sua arte era uma mistura de surrealismo com modernismo. –Ainda não sei exatamente. Talvez o movimento das pessoas, do ar e até mesmo das coisas. Falou inspirado. –Tenho orgulho de ser sua amiga! Disse Flora sorrindo e tocando o rosto de Oliver. –Eu que tenho sorte por conhecer alguém como você. Pegou as mãos dela e beijou-as. E ainda segurando suas mãos completou: –Pelo menos já tenho uma cliente garantida! Falou com um sorriso de lado e piscou. Ela gargalhou e deu-lhe um tapa no braço. –Você anda bastante sumido, o que tem feito? –Vida de artista não é fácil! Oliver estudava engenharia e trabalhava na empresa do pai. Conversaram mais um pouco e se despediram.

Domingo era dia de visitar restaurantes novos, desde que se tornaram amigas elas fazem isso. Cada uma pede um prato diferente e todas provam todos e comentam a respeito, como em um clube de leitura onde todos os integrantes lêem o mesmo livro e discutem a respeito, a propósito Flora também fazia parte de um clube de leitura, o que será explorado em outra ocasião. O restaurante era especializado em comida mexicana e tinha um ambiente bem despojado, foram conduzidas a uma mesa que estava disponível, quando sentaram notaram que o cardápio era dividido em três escalas: quente, muito quente e pegando fogo. Fizeram seus pedidos e esperaram suas bebidas chegarem. A entrada foi o mesmo para todas, nachos com guacamole nível quente. Enquanto comiam conversavam sobre o encontro de Akemi. –Ele tentou te beijar? Marie perguntou com a boca cheia. –Ele tentou, mas eu desviei. Disse ela levantando os ombros. Bateram as mãos em comemoração. –Que espertinha você! Marie exclamou. Os pratos principais chegaram, muito quente. Elas mal conseguiam aguentar engolir de tão apimentado, depois de algumas garfadas e muitas lágrimas começaram a apreciar a comida. Entre um assunto e outro chega a sobremesa, mas elas pediram o nível um, não conseguiam mais que isso estavam com os músculos da língua pegando fogo. E ficaram aliviadas quando puseram a sobremesa gelada na boca, sorriam umas para as outras, alto o suficiente para chamar atenção de todos a sua volta.

Naquela noite algumas gotas de chuva tímidas molharam o sobretudo cor de creme de Flora, enquanto ela abria o portão de ferro do prédio. Sr. Gérard cochilava com um de seus cigarros apagados na boca.

Flora e os Cogumelos ComestíveisWhere stories live. Discover now