Capítulo dois

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Eros me sugere que eu fique aqui dentro do colégio até ele chegar. O lugar está vazio, silencioso, e este fato me deixa mais apoquentada.

Estou sentada no chão, de costas para uma parede em um lugar onde posso observar a entrada do colégio. O portão está aberto, o porteiro permanece em pé em uma das extremidades, distraído, lendo um jornal.

Olho as horas no meu relógio de pulso a todo minuto e parece uma eternidade a chegada do Eros. Preciso me acalmar, aceitar que aquele dia havia chegado. Durante os três longos anos em que o João ficara preso, eu sempre soube que essa hora chegaria, a hora de encará-lo de novo, de sentir na pele esse medo novamente. Ele prometeu que voltaria, que viria para matar a mim e a minha mãe, e eu estava visivelmente apavorada.

Ele é um homem de uma frieza calculista, cheio de crueldade, que me perturbava profundamente. Seus atos jamais foram esquecidos, nem por mim, tampouco por Elisabeth. Algum tempo atrás, ouvi rumores de que o João seria solto por bom comportamento. Seria possível? Esse suposto bom comportamento foi incisivo e terrivelmente meticuloso. Um homem como aquele ser privilegiado com a liberdade apenas por fingir ser alguém que ele jamais seria? Um pesar profundo e sombrio me asfixiava ao pensar em tamanha injustiça. Sua liberdade era uma afronta para mim.

Meu coração batia tão alto que qualquer um que estivesse próximo a mim poderia ouvir. Observei a porta novamente, verifiquei pela décima vez as horas no relógio de pulso e quase enfartei com o som alto e o vibrar agitado do meu celular. Olhei para o identificador de chamada para ter certeza que era uma ligação do Eros.

Número não identificado.

Um arrepio percorre todo o meu corpo.

Quase joguei o celular no chão quando imaginei quem po-deria ser. Prendi a respiração até que o som cessou.

Fico perplexa, em silêncio, acreditando que não acontecer de novo, mas o celular toca mais uma vez, vibrando insistente-mente.

Número não identificado.

— Droga! — eu bravejei quase em um grito.

Hesito por longos segundos disposta a ignorar, mas não adiantaria: quem quer que fosse, insistira até eu atender. Me arrisco apertando aquele maldito botão. Coloco lentamente o celular no ouvido, trêmula, no entanto não digo nada, apenas espero uma voz qualquer do outro lado da linha.

Um longo e pesado suspiro.

— Sabe que horas são, Zoe? — Fecho os olhos sobressal-tada com o vibrar daquela voz, que desejei nunca mais ouvir. — Não acha um pouco tarde para permanecer trancada aí nesse colégio?

Um riso desagradável. Aquela pergunta foi uma provocação. Eu me ergo lentamente, em silêncio. Observo tudo ao redor,

olho mais uma vez para o portão, me questionando como ele conseguiu o meu número. Se o João ainda estivesse lá fora, com certeza estaria à espreita em algum lugar escondido, só me observando.

— Sei exatamente o que você está sentindo, guria — ele pros-seguiu —, posso ler seus pensamentos daqui. Sei que quer fugir, não é? Correr para bem longe onde não posso te alcançar, onde não posso fazer cair sobre ti todo o meu ódio por esses três longos anos. Mas você não pode. Falta-lhe coragem, o que eu tenho em quantidade suficiente para nós dois. Jamais se livrará de mim, por mais que queira. Jamais conseguirá.

Tento me manter calma, preciso encarar as coisas, lembrar de que... O João era um delinquente imundo e estuprador que merecia apodrecer em uma cela escura e pequena pelo resto de seus dias. Se eu continuar a escutá-lo, certamente ficarei com o juízo transtornado. Digo -me para desligar o celular e esquecer, que tudo ficará bem e nada do que ele disse acontecerá.

Meu Delírio - Livro 2  DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora