Capítulo oito

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Na tarde de uma terça-feira ensolarada e extremamente quente eu caminhava apressada pelas ruas do Colorado, sobremaneira furiosa. Passei pelo calçadão em frente à prefeitura municipal e subir as escadas largas até a entrada principal. Eu não queria ser anunciada, então ignorei completamente o pedido da secretaria baixinha de voz irritante que correu na minha direção dizendo que eu não podia entrar ali.

Era exatamente isso que eu queria.

Empurrei a porta de madeira a minha frente e encontrei Paulo sentado em frente a uma mesa redonda cheia de papéis, na companhia de outros homens de terno e gravata, talvez tendo uma reunião qualquer. No mesmo instante em que me viu, seus olhos se arregalaram, de susto, de surpresa, se levantando imediatamente intimidado.

– O que está fazendo aqui Zoe? - Sua voz suou alta e autoritária – Não pode entrar assim sem ser anunciada, interrompendo uma reunião importante

– Senhor, eu tentei impedi-la – disse a secretaria.

Paulo apenas levantou o braço e a secretaria se retirou. Eu o olhei desejando pular em seu pescoço e fazê-lo pagar por suas mentiras.

– Você pede para que os cavalheiros saiam, – eu disse – ou prefere que eu fale na frente de todos?

– Seria mais apropriado que eu peça para que você se retire. – ele apontou para a porta – Não posso interromper os meus afazeres por caprichos seus.

– Como queira.

Ninguém me tiraria dali, eu estava decidida. Tirei o cartão do meu bolso e caminhei irritadamente em direção a ele, o jogando em cima da mesa. Paulo me olhou bem nos olhos antes de abaixar a cabeça, apanhar o cartão e passar a mão no rosto como se me dissesse: Tudo bem, já entendi tudo.

– Me acompanhe Zoe. – Ele caminhou até a porta enquanto pedia para que todos permanecessem ali, até ele voltar. Seguir ele até outra sala – Onde você encontrou esse cartão?

Ele estava extremamente nervoso.

– Por que vocês mentiram para mim? – meus olhos lacrimejaram – Você tem noção do crime que cometeram quando simularam a morte do Arthur?

– Ninguém simulou nada – ele sentou em uma das poltronas e eu sentia que precisava fazer o mesmo – Não houve funeral, nem luto, nem ao menos tem uma lapide com o nome dele ou qualquer frase que defina sua trajetória em vida. Houve apenas mentiras e todas elas para te proteger.

– Me proteger? - Eu berrei, enquanto parecia impossível atenuar as emoções que invadiam o meu corpo – Eu nunca pedir para que me protegessem de nada, nem ao menos do Arthur.

– Você quer a verdade? - Sua voz permanecia calma – Então vamos até ela.

Ele vasculhou o bolso do seu paletó e tirou de lá um maço de cigarro, pegou um, acendeu, dando um longo trago antes de prosseguir.

– Na noite do acidente o Arthur dirigia o meu carro em alta velocidade, completamente embriagado quando caiu em uma ribanceira e capotou. Ele estava acompanhado pela filha do governador do estado. Natasha morreu na hora e o Arthur por milagre teve apenas traumatismo craniano e entrou em coma profundo. Imediatamente sua mãe me procurou e me propôs uma coisa. – Ele parou e deu mais um trago no seu cigarro – Me pediu para que falássemos a você que o Arthur havia morrido.

Meu coração se apertou ao ouvir aquilo. Levei a mão na boca ao tomar consciência do Elisabeth fizera, não somente ela, mais todos ao concordarem com aquele absurdo. Por dolorosos segundos fiquei em silêncio. Palavras... Não havia palavras para justificar aqueles atos. Então a dor explodiu no meu peito, seguida por uma torrente de lágrimas. Novamente meus olhos se fixaram no nada enquanto as lembranças ganhavam vida. Na noite em que minha mãe me ligara dizendo da sua morte, das noites de que passei em claro, chorando com as lembranças de nós dois, naquela dura sensação de que eu não conseguiria prosseguir sem ele. Ninguém pensou no meu desalento, de como eu me sentiria com a sua ausência, simplesmente decidiram porque queriam ser donos do meu próprio destino. Eles não sabia o mal que me fizeram, nenhum deles, nem eu muito menos sabia se seria capaz de perdoá-los um dia.

– Ela acreditava que isso a protegeria, caso você pelo motivo do acidente, resolvesse voltar para o Arthur quando retornasse da universidade. – Ele apagou o cigarro, suas mão tremiam – Ela sabia que você se compadeceria e abandonaria tudo para ficar ao lado dele. Por isso tenho pago ao hospital na Suíça para cuidar do Arthur, quanto mais longe, menos riscos correríamos de você descobrir.

– Certamente ela não me conhece o suficiente – sussurrei em meio as lágrimas – Nenhum de vocês tinham o direito de fazer isso.

– Não tínhamos, – ele suspirou – mas foi o melhor tanto para você, quanto para o Arthur.

– Por que vocês acreditaram que matar alguém poderia fazer algum bem para mim? – Eu comecei a caminhar de um lado a outro na sala – Desde quando a morte nos faz deixa de amar alguém?

– Talvez você jamais entenda, – ele me observava – e também não vou justificar os nossos atos, porque você e nem ninguém poderia fazer nada por ele no estado em que estava. Talvez a mentira justifique isso.

O que mais me surpreende em Paulo é a calma como me conta tudo isso, como se durante todo esse tempo tivesse feito um favor a mim, esperando apenas que eu agradecesse. Suspiro e olho para o teto. Sei que nunca mais olharei para as pessoas da mesma maneira. As coisas deixaram de ter um significado e ganharam um propósito novo, uma razão. É como se o meu mundo exuberante se transformasse em uma xerox cinza e sem cor.

– Por quanto tempo ele ficou em coma? - Sussurro perguntando.

– Por oito meses.

– O erro de vocês foi acreditar que eu nunca descobriria. – Eu não conseguia me controlar, uma hora falava tão baixo como se não quisesse que ninguém me ouvisse, outra berrava para que todo o mundo soubesse o tamanho da minha dor – O que fizeram vocês pensarem que no instante em que eu soubesse a verdade, não iria atrás dele?

– Você não irá. – Ele se levantou e ajeitou a gravata – Não cometerá os mesmos erros do passado, porque já deve ter aprendido muito bem essa lição.

– Está completamente engando sobre mim senhor prefeito. – Eu sabia que o meu desabafo ecoava pelos corredores – Se você ou qualquer um nessa cidade acha que vou ficar aqui e simular que tudo está bem, estão equivocados. Eu irei atrás dele e contarei o que vocês fizeram. Eu tenho todo o direito de fazer isso.

– Certamente, mas acredite, o Arthur não mudou nada, mesmo depois do acidente. Ele não se apaixonará por você por causa de tudo isso.

– Vai se ferrar! – Meu coração se afundou ainda mais no peito assim que olhei para ele pela última vez e comecei a caminhar para a porta – Não é o caráter dele que está em jogo, mas a vida que por sinal vocês quiseram eliminar como se fossem Deus.

Uma dor lancinante se ondulou e se enroscou dentro de mim, quando enfim sentir o sol novamente na minha pele. Já do lado de fora da prefeitura eu sentir uma onda de calor me invadir, enquanto meu corpo inteiro estremecia. Sentei ainda na escadaria, abaixei a cabeça e desabei. Era como um pesadelo.

Eu queria que fosse um pesadelo.

Queria abrir os olhos e despertar.

Segundos, minutos, se passaram. Com os ombros caídos e ânimo abatido eu me levantei, respirei fundo, enxugando as lágrimas e seguir para casa. Eu precisava colocar para fora aquela dor e sabia que a minha mãe seria o alvo.

Entrei em casa com cautela, mas assim que pus os pés dentro de casa, encontrei Elisabeth sentada no sofá com os olhos vermelhos, como se um manto de tristeza e arrependimento a envolvesse. Nos encaramos por longos minutos e por esse tempo eu duvidei se conhecia a minha própria mãe. O que ela fizera havia sido desumano, cruel, injusto. Eu não deveria odiá-la, mas naquele momento era isso que eu só conseguia sentir.

– Zoe, – sua voz falhou – eu posso explicar florzinha. Eu juro que posso.

Meu Delírio - Livro 2  DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora