A doação

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Quando vi Dj com aquele envelope na mão e todo animado, eu já sabia o que seria.

- Maah você pode me amar!
- O que é isso Dj? - perguntei como se já não desconfiasse.
- São os exames dos seus pais!
- Você já olhou?
- Claro que não. Deixei para você abrir.
- Obrigada. - digo pegando o envelope de sua mão.
- Vai. Abre logo Maah. - Diz Krist.
- Porque está com exames dos seus pais? Eles estão bem? - pergunta Luk.
- Sim estão. Depois eu te explico tudo okay?
- Okay.

Começo a abrir o envelope, passa muita coisa em minha mente enquanto o faço, cada segundo é uma eternidade, parece que demorei horas para abrir. Enquanto estou abrindo penso em como vou reagir dependendo do resultado. E se os exames concluírem que meus pais são compatíveis comigo e não doaram porque não quiseram? Ou pior e se os exames concluírem que meus pais não são meus pais? Por fim finalmente terminei de abrir, e lá estava os resultados. Eu simplesmente não podia acreditar no que estava lendo. SIM! Minha mãe é compatível comigo! Meu pai realmente não é, mas minha mãe é. Como pode isso? Porque eles mentiram? Porque ela não fez a doação? Eu sabia que tinha alguma coisa errada pois lembro perfeitamente de meus pais me contando que quando eu era pequena eu fiquei muito doente por causa de algum tipo de vírus, não sei bem, mas que eu ia precisar de doação e que um dos dois havia feito pra mim.
Eu realmente não consigo acreditar, como minha mãe, minha própria mãe, não pôde fazer isso. Tudo bem que ela me odeia, mas eu poderia morrer, eu realmente não podia acreditar, fui tomada por um sentimento forte que eu não sabia descrever o que estava sentindo.

- E então Maah, o que dizem os exames? Você está pálida. - diz Dj com cara de preocupado.
- Maah, o que deu? - completa Krist.

E eu não tenho forças para responder, dessa vez nem consegui controlar as lágrimas, quando vi já estava chorando. Entreguei os exames pra Dj e fui para o vestiário, não queria que ninguém me visse dessa forma. Chegando no vestiário eu desabei, dessa vez surtei mais do que em meu quarto. Eu estava tomada de ódio, a única coisa que conseguia pensar era em chegar em casa e tirar satisfação com minha mãe. Desta vez eu não vou deixar passar, eu vou falar e ela vai ter que me ouvir. Começo a andar de um lado para o outro quando vejo já estou socando e chutando um dos armários, eu preciso descarregar essa raiva de algum modo e esse foi o único modo acessível que encontrei.

- Maaaah... O que é isso?! Para com isso agora, para! - diz Krist me segurando pelos braços depois de entrar correndo.
- Me deixa em paz Krist. - digo em meio a prantos.
- Não! Eu não vou te deixar assim.
- Eu não preciso que você fique, vai embora.
- Não Maah, eu sei como se sente, e não vou te deixar sozinha.
- PARA! - dou um grito. - Você não sabe. Não diga que você sabe porque você não sabe.
- Maah, eu só...
- Você só nada. Não venha me dizer que entende, que você não pode entender tá. A sua mãe te ama e ela demonstra isso, você não faz idéia do que é ser tratada do jeito que eu sou. Então não diga que entende.
- Tudo bem, me desculpa. Você quer conversar?
- Não. Eu quero ficar sozinha, tem como você fazer isso por favor?
- Maah você está exaltada, eu só quero ajudar.
- Que droga Krist! Já disse que quero ficar sozinha. Me ajuda me deixando sozinha. Sai daqui!
- Okay. - diz Krist se virando.
- O que está acontecendo aqui? Que gritaria são essas? E o que fazem fora da classe? - Diz Carmen, coordenadora do colégio.
- Não é nada dona Carmen, eu já estou de saída, só vim trocar minha camiseta pois sujou, com licença. - diz Krist se retirando.
- E você senhorita Marie, o que faz aqui no horário de aula? Não escutou os sinais tocarem?
- Escutei.
- E porque não foi para a classe?
- Ai, não enche tá.
- O que disse mocinha?
- Nada.
- Acho bom. Pra classe agora.
- Não estou me sentindo bem, prefiro ficar aqui.
- Se não está bem, deves ir a enfermaria e não ficar no vestiário.
- Tô bem aqui.
- Não importa se você está bem aqui. É proibido, vamos saindo.
- Que droga! Inferno! Essa merda de colégio, odeio esse lugar, odeio minha casa, odeio minha vida. Droga! - digo isso com ódio nos olhos enquanto dou um soco no armário.
- Senhorita Marie, pra minha sala agora.

Fiquei plantada na sala de espera de dona Carmen até ela ligar para meus pais e eles chegarem. Eu estou tão irritada que não consigo nem ficar assustada com o fato deles terem que vir ao colégio, na verdade acho até bom, motivo para ver minha mãe antes de ter que esperar as aulas acabarem. Volto com meus pensamentos até porque agora é inevitável não pensar em tudo o que está acontecendo e o que vai acontecer. Tenho tantas perguntas a fazer, tantas dúvidas a tirar, dessa vez meus pais não me escapam, não mesmo. Quando vejo já estou chorando novamente, já não estou nem me importando mais, toda essa situação é muito pior do que me verem chorando.

- Está tudo bem mocinha? - diz a professora Olga saindo da sala de dona Carmen.
- Está sim. - respondo de imediato.
- Toma, pega uma. - diz ela com um saco de balas na mão.
- Obrigada.
- Dizem que os doces, iluminam a alma.
- Preciso de muita açúcar então.
- Porque está chorando mocinha?
- Problemas professora, muitos problemas. Ultimamente estou tão frágil, que é capaz de chorar se alguém me esbarrar.
- Como uma garota jovem como você pode ter tantos problemas assim? - diz ela com um sorriso passando a mão no meu cabelo.
- É complicado professora. Posso te fazer uma pergunta?
- Claro, o que quer saber?
- Você têm filhos?
- Porque a pergunta? - diz ela tirando o sorriso do rosto.
- É que tipo, se você tivesse algum filho, que estivesse em um estado crítico, precisasse de doação e você fosse compatível pra fazer, você doaria?
- Claro que sim, acredito que qualquer mãe faria isso por um filho. Porque a pergunta?

Novamente começo a chorar e não consigo responder, essa resposta me deixou mais triste do que estava. Saber que ela pensa desse jeito, me fez ver que realmente é a verdade, qualquer mãe que ama o filho faria uma doação se ela fosse compatível. Mas porque minha mãe não fez isso? Porque que comigo é diferente? Porque ela é diferente? Eu realmente preciso saber do porque de tudo isso.

- Ei mocinha, se acalme. Eu disse algo que não devia? - Ela pergunta preocupada.
- Não, está tudo bem, me desculpa.
- Não precisa se desculpar, você está triste. O melhor a se fazer é chorar, é uma boa maneira de colocar todo sentimento ruim pra fora, é melhor do que guardar tudo pra você. - diz ela se levantando. - Bom, vim pra falar com a Carmen e tenho que dar aula agora, qualquer coisa é só me procurar em minha sala, eu adoraria conversar com você e poder ajudar se precisar de alguma coisa tudo bem?
- Sim, muito obrigada.

Enquanto fiquei sozinha novamente esperando pelos meus pais, eu me senti um pouco melhor por ter conversado com senhorita Olga. Por mais que a conversa tenha sido curta e eu não tenha dito tudo o que está engasgado (até porque não é pra ela que eu tenho que dizer) ouvir as palavras que ela me disse, me ajudou, por mais que tenha sido um tapa na minha cara a resposta dela, mas... e também pelo fato dela se preocupar comigo ou pelo menos mostrar isso.
No meio dos pensamentos, a porta da sala se abre e entram dona Carmen e minha mãe.

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