Sentimentos

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Me encarei pelo retrovisor, ajeitando o suéter e passando os dedos de leve no penteado. Quando já estava pronta, sai da garagem com o carro, na intenção de ir até o escritório. Mas não era como o se o maldito trânsito deixasse. Entrei no congestionamento em frente a avenida do meu condomínio e observando-me cercada por carros, bufei, me recostando no banco de couro. Apertei os olhos, respirando fundo e por um momento, Ela veio a minha cabeça.

Eu não estava acostumada com aquilo. Há quanto tempo, não sentia-me assim por ninguém? Anos. Agora a minha vida se baseava a sentimentos básicos e carnais. Ou seja, nenhum deles incluía paixão.

Diante disso, deixei uma risada escandalosa ecoar por todo o carro. Eu, Karla Camila Cabello Estrabao, 25 anos, advogada, bem-sucedida, independente e acima de tudo: adulta; estava cogitando a hipótese de estar apaixonada por uma adolescente problemática, dez anos mais nova? Não. Eu não admitiria aquilo. Ouvindo as buzinas sincronizadas atrás de mim, acelerei diante do trânsito que andava minimamente.

"Vai tomar no cu." Gritei pela janela, distribuindo dedo do meio.

Depois de quarenta minutos cheguei ao escritório, pisando fundo e transpirando fogo. Entrei no elevador, chegando ao meu andar e adentrei a minha sala, sendo seguida pela minha secretária Jennifer.

Fitei minha mesa. Duas coisas diferentes nela. Agradeci por Jen, me conhecer tão bem. Do lado direito havia um Frappucino de brigadeiro do Starbucks e uma caixa repleta de Donuts só para mim. Meus olhos brilharam.

"Foram comprados nessa confeitaria, da esquina?" Perguntei abrindo-a de uma vez e levando um a boca, mordendo e sentindo aquela textura fofa e o gosto açucarado delicioso. Com a outra mão, peguei o café. Do lado esquerdo, havia uma pasta, com mais uma pilha de papéis, ou seja, um novo caso.

Ela parecia apreensiva e não saber como começar. Arqueei uma sobrancelha, aquilo não era bom. Jennifer lia todos os casos que eram encaminhados para mim e os organizava, me mandando logo depois. Aquele olhar queria dizer que havia alguma coisa ali..

"O que há de errado?" Perguntei mordendo agora o segundo donut.

"É um suspeito de assédio sexual." Ela disse pausadamente. Suspirei jogando o corpo para trás.

"Eu só fico ao lado da vítima. Ótimo que me poupa de trabalho." Cruzei as pernas e as estendi sobre a grande mesa de carvalho branco.

"Mas, senhorita Cabell.." A interrompi.

"Desde que iniciei nessa carreira, Jennifer, jurei a mim mesma que só não defenderia aqueles velhos babões ou até mesmo os novinhos, nojentos e repugnantes que mexem com garotinhas, sendo apenas suspeito ou não."

"Mas a oferta é muito boa!" Ela disse tentando justificar aquilo e eu soltei uma risada fria sem emoção.

"Eu não vou me poupar de colocar um estuprador nas grades. Seja pela quantia que for. Me admira você, trazer esse tipo de caso.." Vomitei as palavras de uma maneira rude.

"Dá uma lida pelo menos, Senhorita Cabello." Ela pediu com súplica e eu estreitei os olhos, dando de ombros e assentindo. Eu não fazia a menor questão de ler aquilo, mas em anos Jennifer nunca me pareceu, tão... Não havia explicação, eu só via em seus olhos que ela queria que eu a ajudasse. Cogitei a hipótese, que diferença faria? Mesmo que eu lesse, não precisaria aceitar.

Assim que terminei de comer, peguei a pasta, lendo a etiqueta que estava em sua frente, com o nome do indivíduo, Jack Miller.

Suspirando e com preguiça, abri a pasta e iniciei a leitura dos arquivos:
Jackson Andes Miller. 36 anos. 2 passagens criminais: Furto e Assédio Sexual. Respectivamente depoimentos dados ao Departamento de Vítimas Especiais. Pulei para o de assédio, o furto não me interessava muito no momento e cada vez mais eu tinha certeza que dinheiro algum faria eu defender aquele homem num tribunal. E com aquele histórico, nem com alguém como eu, em sua defesa, ele conseguiria se safar dessa. Allyson Brooke Hernandez (21), vizinha do mesmo, trabalhava como babá da filha adotiva de Jackson, Lauren Jauregui (16) e depôs contra o dito cujo, 20 de Novembro de 2009 ás 23:45. Amedrontada e chorosa, com apenas 14 anos, alegou que Jackson havia abusado de Lauren, que na época com 9, não tinha ideia do que havia acontecido e negou tudo as autoridades. Isso somado ao fato de Allyson estar entrando na adolescência, foi o bastante para que o caso fosse arquivado. "Eu estava no meu quarto, apoiada na janela e de lá, pude ver Lauren na cama, dormindo calmamente, enquanto por cima dela, estava seu tutor, tocando em seu corpo e se despindo. Desesperada chamei meus pais e liguei para a polícia, mas era tarde e ninguém me deu atenção. Então resolvi vir prestar depoimento hoje."

Lauren
"Uma louca hoje no meio do estacionamento começou a gritar e dar dedo pros outros!" Ally disse parecendo incrédula, enquanto tirava seus sapatos, balançando a cabeça negativamente. Foi impossível não rir. "Se não houvesse aquele congestionamento, eu poderia ter te buscado no colégio.."

"Sim, mas da mesma maneira eu estou aqui e o importante é que hoje você tem a tarde livre e eu fiz o almoço." Sorri de orelha a orelha dobrando o uniforme escolar. Nos sentamos na mesa e Ally começou a se servir da macarronada com almôndegas que eu fiz. Depois de algumas garfadas ela bateu palmas orgulhosa.

"Lauren, onde aprendeu a cozinhar assim? Isso aqui nem se compara as besteiras que eu faço no fogão!" Ela disse, voltando a comer, enquanto eu ria e fazia o mesmo.

"Não seja exagerada Ally!" Pedi com falsa modéstia.

"Hum.." Ela disse sugestiva. "Está de bom humor hoje! O que aconteceu?"

"Nada." Disse dando de ombros. "Só estou me adaptando cada vez mais as meninas. Me misturando no colégio.. Tudo está caminhando tão bem!" Sorri lembrando dos momentos com Dinah, Vero e Normani. Lucy também ja tinha me perdoado.

Na cômoda ao nosso lado, pude ver meu celular notificar e com o nome de Keana aparecendo na tela, sorri também. Estávamos conversando bastante e eu gostava de trocar mensagens com ela.

"Fico feliz que você está verdadeiramente bem, Lo. Você não sabe o quanto esperei pra ver um sorriso sincero nesse rostinho." Allyson disse em um tom maternal. Sorri mais uma vez.

"Nada disso seria possível, sem seu apoio." Pisquei um olho.

"Eu jurei a mim mesma, desde quando você era um bebezinho, que te protegeria de todo mal. E é isso que eu farei, até o fim dos meus dias." Pude ver que brotaram lágrimas em seus olhos e me levantei dando um abraço apertado nela. Ally me conhece desde criança, era minha vizinha e cuidava de mim quando Maureen e Jack resolviam sair. Ou seja, todos os dias. Eu era muita preocupação pra eles, pra que ficar cuidando de uma pirralha chata dentro de casa, quando poderia bater perna na rua, se embebedar em bares de esquina ou se divertir em qualquer outro lugar?

Quando assumiram minha guarda, Jack tinha 20 e Maureen 19 anos. Bom, se fosse como meu sonho, Jack e Clara amantes.. Preferi não pensar nisso e dei um beijo na bochecha de Ally, afastando aqueles pensamentos, voltando ao meu lugar e a comer também.

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