Durante os anos de faculdade convivi com uma situação em que 90% dos meus colegas de classe eram mulheres. E exatamente por isto eu era visto como "o cara".Considero-me um homem normal, mas sei que no conjunto geral eu agrado às mulheres. Fui uma criança saudável, um adolescente franzino e hoje vivo de atividades que fazem de mim um tipo interessante. Sou definido por muitas mulheres como o corpo perfeito, sarado sem exageros. Tenho olhos azuis apertados, porém atentos, e cabelos castanhos lisos que insisto em esquecer de cortar. Acho que tenho um charme único e, sem a menor modéstia, admito ser dono de um sorriso que na juventude enfraquecia até as freiras da paróquia do bairro em que morava.
Não fui uma criança muito traquina, mas tinha lá os meus aprontes, que tiravam os vizinhos do sério. Mas era só armar um sorriso e tudo passava. Porém, devo admitir que, quase misterioso, hoje em dia não sou muito de mostrá-lo.
Era impressionante como todas as minhas colegas de faculdade confiavam em mim e na minha capacidade de "separar as coisas". Elas sabiam desde o primeiro dia que podiam contar qualquer coisa para mim, pois eu seria incapaz de compreender com um julgamento particularmente malicioso, e com base na minha ética profissional e compromisso de ser um estudioso do comportamento humano, jamais seria capaz de comentar as suas particularidades com outros colegas.
Elas se sentiam à vontade para me pedir conselhos e exatamente por me decifrarem como o inalcançável, faziam de mim aquele "melhor amigo gay". Compartilhavam comigo tantos detalhes sórdidos das suas vidas íntimas que em um determinado momento me questionei quanto à postura que impunha diante delas. Cheguei a me questionar se as pessoas me viam assim porque era delicado e tinha um cuidado polido com as pessoas ou porque existia algum traço característico que eu não havia enxergado em mim mesmo. Estranho, não?
Devo admitir também que não fui um homem de muitos casos amorosos. Nunca fui visto com mulheres que se comportassem como namoradas de verdade. Eram mais namoricos passageiros e que terminavam sem muita explicação. Tive umas paquerinhas de pátio de escola e um único relacionamento que durou poucos meses com uma menina que morava na mesma rua e que, para completar, havia passado no mesmo vestibular que eu.
Ela não era a mais bonita de todas, mas eu não dava importância para isso. Desde muito jovem eu sempre priorizei a beleza interior das pessoas, a inteligência e o que elas poderiam acrescentar em mim como ser humano. Foi assim que a Mel me fisgou. Ela me observava com aqueles olhos enormes de admiração e nós nos conhecíamos desde criança. Entre a timidez pré-adolescente e a supervisão dos nossos pais nunca havíamos passado dos olhares disfarçados e dos sorrisos tortos, algumas brincadeiras na rua e comemorações de aniversário. Mas aquela garotinha havia crescido.
Quando passamos no vestibular meus pais deram um jantar e convidaram, além da família, os vizinhos mais chegados. Eu ainda era meio moleque, mas ela já se comportava como uma mulher adulta e por onde ela passava as pessoas soltavam interjeições e comentavam como ela era imponente, como transmitia confiança e como, com aquele ar de mulher decidida, era capaz de conseguir tudo o que queria.
Para mim era só a Mel, mas quando ela entrou na minha casa com aquele vestido amarelo-sol foi a primeira vez que senti de verdade que existia algo além da tímida distração e empatia infantil. Meu coração ficou acelerado e senti minhas bochechas corarem. Abaixei a cabeça rapidamente e fiz de conta que não a havia visto entrar. Horas mais tarde, ela me tocou no braço e quando me virei tomei um susto, pois não esperava que ela fosse me abordar no meio de tanta gente, dos pais delas e dos meus pais. Fiquei desconcertado e alguém falou do fundo da sala:
— Acho que vamos ter um beijo a qualquer momento!
Muitas risadas e um rubor que não cabia nas minhas bochechas.
Saí correndo, puxando-a pelo braço, e só parei quando chegamos do lado de fora do portão. Estávamos com a respiração acelerada e, sem pensar ou perguntar nada, agarrei-a pela cintura e lhe dei um beijo longo e molhado, cheio daquela mesma admiração que via nos seus olhos quando passava em frente à sua janela. Acho que foi o beijo mais longo da minha vida. E eu, com a minha capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo, beijava-a e pensava que com certeza aquele era o primeiro beijo dela; pensava que poderia estar obrigando-a a fazer aquilo por não ter perguntado se ela também queria. Pensei até que eu beijava mal porque algo não estava se encaixando bem. Mas é que só depois que esvaziei a cabeça e relaxei foi que o beijo deu certo.
Senti o gosto daquele beijo com sabor de chiclete de hortelã, que sempre foi o meu preferido. Senti o cheiro de camomila que morava nos seus cabelos negros, lisos e longos. Senti as suas curvas sob as minhas mãos e senti até mesmo a tensão que se formava nas costas dela por ela ser tão mais baixa do que eu. Peguei-a nos braços e sentamo-nos na escada que dava para a rua, olhando-nos como se aquela fosse a maior descoberta dos últimos tempos.
Ela era tão pequenininha que a impressão que eu tinha era de que ela sempre precisava de carinho e nunca, durante os poucos meses de namoro, eu consegui agir com um pouco mais de força e um pouco menos de cuidado, como ela insistia em me cobrar.
Foram três meses conturbados com a Mel, principalmente pelo fato de que estávamos começando a faculdade, adaptando-nos a informações das mais variadas fontes, e a minha sede de conhecimento ultrapassava o desejo de estar com ela até altas horas da madrugada, pois precisava focar nos estudos, acordar cedo, estudar ainda mais durante os dias e preparar as aulas dos meus alunos do inglês. Pelo menos ninguém pode dizer que não fui um aluno dedicado.
Na época, meio que deixamos de lado e nunca conversamos sobre isso, mas bem lá no fundo eu acho que ela se cansou de mim.
Cont...
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