Era uma vez um vilarejo no Sul da Inglaterra, na segunda metade do século XVIII, habitado por uma população de novos ricos que havia ascendido socialmente através do comércio e de casamentos vantajosos arranjados. Nesse cenário, habitava a família Carter, que havia perdido a mãe há poucos meses para um resfriado que se transformou em uma pneumonia fatal. O viúvo Sr. Carter não era mais o mesmo homem desde aquele dia, mas suas filhas ainda lhe davam motivos para viver. Era por Bela, Emma e Grace que o Sr. Carter acordava todas as manhãs e passava até meses viajando – o pobre homem era comerciante ambulante – em busca de sustentar a prole.
As jovens passavam os dias da ausência do pai sob os cuidados da irmã da falecida, a tia Eliza, uma senhora solteira e sem filhos. Apesar da péssima reputação e caráter duvidoso, ela era a única presença feminina adulta a qual as meninas tinham acesso, visto que a família morava em uma grande casa de campo na região mais isolada do vilarejo, próximo à floresta, onde poucos habitavam.
A Srta. Grace Carter era a filha caçula, uma donzela risonha de pele rosada, a pérola da falecida mãe. Aos dezoito anos, tamanha era sua beleza. Tinha olhos azuis como o pai e cabelos louros como a mãe, o corpo esguio e alto. Gostava de bordar, passear pela cidade exibindo sua beleza e fofocar com as amigas. Não costumava falar sobre garotos e perante um desfalecia de constrangimento – um tanto dissimulada suas ações, alguns comentavam que ela era sonsa.
Apesar de Grace realmente ser menos ingênua do que aparentava, ela sonhava em se casar com um lindo e rico cavalheiro e ser tão feliz quanto a amada mãe era. Seria difícil para ela ser apresentada à sociedade sem sua genitora. Tia Eliza já havia prometido se encarregar dessa tarefa, mas Grace temia não receber nenhum pretendente e ficar solteira para sempre devido à reputação da tia. Para ela já era suficiente ser irmã da mal falada Bela. Grace não queria ter sua imagem associada à de tia Eliza, mas guardava sua opinião para si.
A outra jovem Carter era a filha do meio, a Srta. Emma. Seus modos elegantes já haviam atraído a atenção de muitos rapazes desde a sua apresentação à sociedade. No entanto, Emma recusou cinco pedidos de casamento nos últimos dois anos. Apesar das imposições da época, a jovem sentia-se muito precoce e temerosa por ter que encarar a vida de casada e mãe de família aos vinte anos. Emma tinha sede de liberdade, gostava de passear a cavalo e se envolver em aventuras. Gostava de sentir adrenalina e excitação. Era totalmente o oposto da aparentemente tímida Grace, e mais semelhante à Bela, a irmã mais velha corajosa e ousada.
No quesito aparência, nenhuma das filhas do Sr. e da Sra. Carter deixava a desejar. Emma era uma cópia fiel da mãe, loura de olhos castanhos, com sardas discretas no rosto. Até as formas avantajadas e curvilíneas esta possuía. Diferente da irmã caçula, ela adorava a tia Eliza e não se importava se esta era mal falada pela sociedade, a qual considerava hipócrita. Também não tinha preconceitos para com a sua pobre irmã Bela.
A Srta. Bela Carter? O nome faz jus à sua beleza. A mais bela filha, a mais velha, a mais autêntica e encantadora Carter. No auge dos seus vinte e três anos, Bela era uma rosa que muitos queriam cultivar. Tinha os cabelos e os olhos castanhos cor de mel. Fora apresentada à sociedade muito cedo, aos dezesseis anos, devido à insistência das amigas da mãe, mas o pai, que a tinha como filha preferida, não permitiu que nenhum casamento fosse realizado antes que ele assim desejasse. O Sr. Carter preferia casar sua filha caçula antes da filha mais velha se fosse preciso só para mantê-la sob seu olhar vigilante o máximo de tempo possível.
Bela sempre foi a filha mais obediente, meiga e carinhosa que seu pai teve. Ela nunca reclamava de nada e aceitava a tudo que lhe ordenavam com complacência. Era uma jovem muito prendada, habilidosa dona de casa e cozinheira de mão cheia, costureira admirável e inteligente além do comum, pois vivia com o rosto enfiado nos livros em uma época onde tantas moças fúteis só falavam sobre casamento e filhos. Aliás, Bela nem pensava em casamento, pelo menos não até conhecer o Coronel Lorde Crawford, um veterano de guerra, muito rico e bonito para a idade de trinta e seis anos, habitante de uma província distante, de passagem pelo vilarejo e em busca de uma esposa.
A presença do Coronel Lorde Crawford foi uma verdadeira desgraça na vida da família Carter. Bela tinha vinte anos quando foi apresentada a ele por um amigo do pai. Os dois começaram a se encontrar às escondidas e embarcaram em um ardente romance. Ele a iludiu com inúmeras promessas de amor. Dizia que iria casar-se com ela e levá-la embora daquele vilarejo para conhecer o mundo. Como esposa de um coronel, esta teria que acompanhá-lo por onde ele fosse. Bela nunca esteve tão feliz. Ele também a encheu de presentes, que iam desde joias caras a cartas de amor perfumadas. Bela ficou perdidamente, profundamente, incondicionalmente apaixonada pelo coronel.
Apesar de ser filha de uma família rica, cujo patriarca era um comerciante renomado, Bela sabia que não poderia ser sustentada para sempre pelo pai. Como não havia filhos varões, a herança seria passada a um primo. Bela também tinha o desejo de construir uma família, ter filhos. Recebeu o apoio da mãe e das irmãs para se casar, sob os protestos do pai, e marcou a data do casamento com o Coronel Lorde Crawford.
A comunidade do vilarejo estava radiante de alegria. Uma de suas filhas iria se casar com um militar, e quem não amava os militares? Bela havia se tornado a dama mais respeitada das redondezas e todos a olhavam com outros olhos, não só de admiração, mas de respeito. Ela se sentiu confiante até para ser ela mesma. No entanto, uma semana antes do casamento, o Coronel Lorde Crawford entregou um bilhete para Bela, pedindo para que esta se encontrasse com ele às escondidas. Bela não se importou com o estranho pedido e foi ter com ele, tarde da noite, próximo ao rio que corria na floresta.
Aquela noite foi crucial para marcar a reputação e o destino de Bela para sempre. Seu amado engabelou-a com uma história de que teria que viajar a negócios, mas retornaria antes da data marcada para o casamento. Fez mais e mais juras de amor e seduziu Bela. Ela caiu nos seus encantos, apaixonada e vulnerável, até que finalmente entregou seu corpo a ele. Os dois passaram a noite e a madrugada se amando na floresta e quando o sol estava perto de nascer se despediram com uma jura de amor eterno.
Bela, feliz da vida e mais apaixonada do que antes, contou às irmãs tudo o que aconteceu, omitindo os detalhes indiscretos, sobre como era se sentir mulher e amada pela primeira vez. Foi reprovada pela jovem Grace, que ficou escandalizada com a conduta desviante da irmã e a delatou para a mãe. A Sra. Carter procurou manter a compostura e tentou apoiar a filha, pois, apesar de não aprovar o comportamento, ela e o Coronel Lorde Crawford estavam noivos e mais cedo ou mais tarde iriam fazer coisas que um homem e uma mulher fazem quando são casados. O pai não ficou sabendo o que houve, pelo menos não até aquele momento.
A data do casamento se aproximava e Bela não tinha notícias de seu amado. Ela escrevia cartas e cartas todos os dias para a localização que ele havia lhe passado, uma propriedade que não ficava tão longe do vilarejo. A data do casamento chegou e ele não apareceu. Bela e sua família entraram em desespero.
Confiando na promessa de amor, a jovem Bela vestiu-se para casar em um longo vestido branco de noiva e foi esperar seu amor no altar da igreja da paróquia do vilarejo, a qual estava lotada por quase toda a população da comunidade. De repente, uma carta destinada a ela chegou. Grace, que se dizia tímida com os homens, mas tinha a língua grande e afiada perante a sociedade, tomou o papel em suas mãos e leu em voz alta propositadamente, para que todos ouvissem o que o noivo de sua irmã tinha a dizer. Grace não fez por mal. Ela acreditava que a carta se tratava de um pedido de perdão, não de um escândalo, como foi anunciado pela sua própria boca.
Coronel Lorde Crawford foi curto, grosso e explícito: "Bela, nunca tive a intenção de me casar com você. Queria apenas ter relações carnais sem precisar de compromisso e você se mostrou disponível. Um homem tem suas necessidades. Você foi boba por acreditar e se entregar a mim. Desculpe por lhe estragar para outro homem. Na verdade, eu já sou casado e minha esposa está grávida, por isso não viajávamos juntos. Mas eu a amo e quero ficar com ela. Crawford."
Com essas palavras o destino de Bela foi selado e sua reputação arruinada para sempre. Nenhum homem queria compromisso sério com ela, apenas tirar proveito da sua juventude e beleza, se fosse possível.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Bela e A Fera
RomanceNessa adaptação do clássico A Bela e A Fera, ambientada na Inglaterra durante a segunda metade do século XVIII, iremos conhecer a história da Srta. Bela Carter, uma jovem de vinte e três anos, filha mais velha de três irmãs, órfã de mãe, que não tem...