Por um momento era como se todos tivessem perdido a voz. Todos na sala se entreolhavam incrédulos, como se não quisessem entender o óbvio já pronunciado. Aquele silêncio preencheu o cômodo por alguns minutos até que o pai gritou horrorizado, finalmente entendendo.
— Você enlouqueceu! – berrou o Sr. Carter, sentindo-se tonto – Está sendo obrigada a um destino pior do que a morte!
— Sir Dominic nunca me obrigou a nada. Pelo contrário, fui eu quem insistiu para ficar ao seu lado mesmo com ele e todos do castelo me mandando ir embora. Iremos nos casar porque estamos apaixonados e nos amamos.
O pai desabou sobre o sofá. Tia Eliza desmaiou no chão. Grace estava perplexa, com uma expressão de nojo em sua face, lembrando-se da descrição do monstro que foi dada pelo pai. Emma era a única que, apesar de surpresa, sorriu e abraçou a irmã.
— Meu Deus, você vai se casar! E com a fera! Como vocês se apaixonaram? Nós estivemos esse tempo todo pensando que você estava na pior, mas você apareceu e está noiva! Que notícia feliz!
Bela acreditava na sinceridade da sua irmã. A sua aprovação era a única que bastava para abençoar a união do futuro casal de esposos.
— Emma, como pode ficar feliz por ela se casar com um monstro? Sinceramente, Bela, o seu desespero é vergonhoso. Prefere se casar com o demônio a ficar sozinha. Não vai deixar de ser mal falada por causa disso. – disse Grace.
— Eu não vivo de aparências como você, que tem um rostinho bonito, mas é podre por dentro. – rebateu Bela.
— Estou com pena de você! Agarra-se tanto a isso para achar que é melhor do que eu, mas no fim vai ficar com o pior que esse mundo tem a oferecer.
— Suas palavras não me abalam nem um pouco.
O pai e a tia acordaram quase ao mesmo tempo. Incrédulos, não conseguiam aceitar que a Bela, uma das jovens mais lindas do vilarejo, senão a mais linda, iria se casar com a fera. Principalmente o pai não acreditava, já que tinha visto a criatura com os próprios olhos e ainda tinha pesadelos com o monstro.
— Essa paixão não existe, Bela! A fera está te obrigando a se casar e você não vê! Ela deve ter te enfeitiçado, mas não precisa ser assim. – disse o Sr. Carter, muito determinado – Nós iremos matá-lo e isso vai acabar logo. Você vai ganhar a sua liberdade e esse feitiço vai chegar ao fim!
— Já vi que estou perdendo meu tempo tentando explicar a verdade a vocês, pessoas cegas pela hipocrisia e superficialidade da nossa sociedade. – Bela era firme em suas palavras – Ter ido para aquele castelo foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, porque me fez conhecer o Sir. Dominic, me fez conhecer o amor verdadeiro. Pai, não me importa que pense que meu amado é um monstro, mas que não consegue ficar feliz por mim. Estou casando com um cavalheiro que me ama e que não vai me abandonar.
De repente, bateram na porta e a abriram logo em seguida. Era o Coronel Lorde Crawford, em pessoa, acompanhado por dois homens mal-encarados. Bela sentiu a pele arder de raiva e constrangimento. Tinha sido usada e abandonada no altar por aquele desgraçado. Teve sua reputação manchada para sempre. Tornou-se infeliz e mal vista por todos. Tinha perdido o amor próprio e o seu valor enquanto pessoa.
Com a fera, Bela descobriu que não precisava da aprovação dos outros para ser feliz. Com a fera ela era ela mesma. Com a fera sentia não só amor, mas também prazer. Uma relação como a que ela tinha com a fera era rara naqueles tempos. Então saber, de repente, que o crápula do seu passado estava organizando a morte do seu amado, era algo que ela não podia perdoar. Saber que seu pai estava envolvido com isso, associado ao homem que lhe devastou, tornava a situação pior. Bela não iria aceitar.
— Bela! Eu vim correndo quando soube que tinha fugido do castelo da aberração! – ele tinha um sorriso dissimulado e um olhar presunçoso, ao mesmo tempo em que parecia estar tentando seduzir a pessoa com quem falava.
— Pois deveria correr para longe, por que é isso que você faz, não é? Você corre e foge das obrigações.
Todos repararam a forma como Bela falou com o coronel. Não havia sequer respeito ou educação. Apenas desprezo.
— Bela, perdoe-me pelo que ocorreu no passado. Eu lamento muito...
— Cale a boca, seu verme! Não me dirija uma palavra. Pensa que é quem? Para mim você não é ninguém.
O próprio coronel olhava perplexo para Bela. Quando eles se conheceram, a moça era dócil e muito fácil de ser manipulada. Jamais agiria de tal forma com alguém. Naquele momento parecia ser outra pessoa, com uma língua mais afiada que a de Grace. Ah... Grace! O segredo inconfessável do coronel. Grace foi a primeira a ser seduzida por ele, mas ele a achava tão jovem... Preferiu Bela, mais velha e mais bonita.
Apesar de serem óbvias as intenções do coronel, e provavelmente Grace também seria apenas usada, a irmã ainda guardava rancor. Ela é quem queria ter recebido os beijos do coronel, os seus afagos e carícias, nem que ficasse estragada para sempre. Grace também havia se apaixonado pelo coronel, apesar de só ter quinze anos na época em que ele enganou Bela. É por isso que a irmã odeia tanto a outra.
— Bela, tenha respeito para com o Coronel Lorde Crawford! – repreendeu o pai.
— Ele não me respeitou quando possuiu o meu corpo e me abandonou no altar.
— Bela, isso não são modos de uma dama falar!
— Eu não me importo com essa bobagem social. Eu só me importo com uma coisa e vocês querem acabar com ela. Vamos embora, Elliot.
— Sim, Srta. Bela. – disse o mordomo, que já desejava ter partido há muito tempo, mas não quis se intrometer na discussão familiar, orgulhoso por ver a jovem defendendo tão severamente o seu amor pela fera e a própria.
— Você não vai embora para lugar nenhum, Bela! Ainda sou seu pai!
— A partir do momento em que se associou a esse canalha, também perdeu o meu respeito. Nem sei se é mesmo o meu pai.
— Bela, nós vamos acabar com o monstro que nos fez mal!
— Eu já disse que não!
— Coronel Lorde Crawford, – Grace agarrou seu braço, em um pranto dissimulado – Bela está louca! Diz que irá se casar com a fera! Mas veja que desgraça!
— O quê?! – o coronel gargalhou – A fera que eu vou degolar?
— Se quiser degolar a fera, primeiro vai ter que me degolar.
— O que esse monstro fez com a senhorita? – o coronel estava chocado.
— Com certeza ele é muito melhor que você em diversos quesitos.
— Bela, não me faça perder a paciência! – o Sr. Carter gritou, mais humilhado impossível – Esqueça essa história de se casar com aquele monstro. Você realmente está louca! Não vou perdoar o monstro por isso!
— Meu pai, eu lamento muito por preferir ficar do lado de um homem que apenas me fez mal a ficar do meu lado e ignorar a minha felicidade.
— Não existe felicidade naquele castelo! Eu ficarei sim do lado do Coronel Lorde Crawford e juntos iremos matar aquela aberração!
— Pela última vez, adeus, meu pai.
— A mocinha não vai a lugar nenhum. – o Coronel Lorde Crawford agarrou o braço esquerdo de Bela com força, mas esta lhe deu um soco no rosto que atingiu o nariz, tirando-lhe sangue, e o fez cambalear para trás até que caísse desequilibrado no chão.
— Não me subestime, Crawford. Não sou aquela garotinha ingênua que você seduziu e deflorou no mato. Eu sou uma mulher forte e sei muitos truques.
Um dos sujeitos mal-encarados partiu para cima de Bela, e ela também lhe socou, deu uma joelhada em sua virilha e uma rasteira... Tudo isso usando vestido longo e saltos. Depois pulou sobre o outro mal-encarado e apertou tanto o seu pescoço que ele ficou sem ar, caindo desmaiado no chão. Todos estavam perplexos olhando para Bela. Quem era aquela jovem?
— Vamos embora, Elliot! Não podemos perder mais tempo!
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A Bela e A Fera
RomanceNessa adaptação do clássico A Bela e A Fera, ambientada na Inglaterra durante a segunda metade do século XVIII, iremos conhecer a história da Srta. Bela Carter, uma jovem de vinte e três anos, filha mais velha de três irmãs, órfã de mãe, que não tem...