Foram quase dois meses de viagem, mas finalmente o Sr. Carter estava voltando para a sua casa, para as suas filhas, e mais cedo do que imaginava. Seus negócios foram muito bem sucedidos e ele comprara os presentes para as moças. O único que ele não iria comprar, mas sim colher diretamente da natureza, era a rosa para a sua filha Bela. Ele desejava até ter um dedo perfurado com um espinho só para lhe dar a rosa mais linda que encontrasse no caminho e até já sabia onde a colheria.
Na viagem de ida até Londres, onde iria tratar de negócios, o Sr. Carter teve que desviar o caminho da carruagem, pois uma árvore havia caído e interrompido a passagem por onde ele costumava passar. Foi preciso encontrar um novo percurso para chegar ao destino da viagem e o Sr. Carter teve que explorar a floresta, por caminhos nunca antes atravessados por ele.
Apesar da densa natureza, o comerciante encontrou uma estrada curiosa e a desbravou. Foi parar nas redondezas de um esplêndido castelo no meio da floresta. Era majestoso e encantador. Parecia pertencer a algum membro da nobreza, talvez um duque ou um marquês. Talvez pertencesse até mesmo a algum príncipe. Ele julgou que a propriedade estava desabitada e entrou no local, deparando-se com um belíssimo jardim contendo diversas flores e as rosas vermelhas mais lindas que ele já viu na face da terra. O Sr. Carter já sabia onde colheria a rosa de sua Bela. Deixou a propriedade ainda encantado, rezando para não esquecer-se de como chegar ao local.
Como desejava, o Sr. Carter deparou-se novamente com o castelo quando voltava da viagem, se parabenizando pela boa memória apesar da idade de quase cinquenta anos. Encontrou o castelo sem dificuldade e logo foi adentrando a propriedade. Ele se deparou mais uma vez com o jardim e ficou encantado com a sua beleza.
Ainda hipnotizado, o Sr. Carter se questionou como poderia haver um jardim tão lindo e bem cuidado em uma propriedade desabitada. Talvez alguém fosse pago para cuidar, ou a propriedade fosse habitada. De todo modo, não havia ninguém à vista, o jardim era isolado em um local pouco depois da entrada e era só uma rosa. Não iria fazer falta. Faria falta para Bela se ele chegasse a sua casa e não levasse a rosa da filha.
O Sr. Carter tirou uma faca pequena do bolso interno do casaco, separou a rosa que achou mais linda e a podou. De repente, ouviu um rugido grave e muito alto atrás dele. Era como o rugido de um leão ou urso, de uma fera. Ele se estremeceu e olhou para trás. Seus olhos não podiam acreditar no que estava vendo.
Teria o Sr. Carter morrido e ido parar no inferno? Que espécie de monstro era aquele? Seria alguma aberração da natureza? As pernas do Sr. Carter ficaram bambas enquanto o gigantesco ser caminhava em sua direção sobre duas pernas que terminavam não em pés, mas em patas. O rosto e o corpo eram cobertos por uma pelagem castanha escura e por um momento ele jurou ter visto uma cauda balançar.
A face, sem sombra de dúvidas, era de um animal horrendo. Havia um focinho em vez de um nariz e a boca monstruosa tinha enormes presas à mostra. As mãos eram a parte que parecia mais humana, mas havia garras afiadas na ponta de cada dedo. Ah, e os chifres! Sim, a aberração também tinha chifres. Seria o Diabo em carne e osso?
— Como ousa invadir a minha propriedade e arrancar uma das minhas rosas? – o monstro rosnou após fazer a pergunta em um tom grave e ensurdecedor.
— Pai Nosso que estais nos céus! – o Sr. Carter não podia acreditar que aquilo falava. Ele precisou se segurar para não urinar nas próprias calças de tanto medo.
— Como encontrou esse pedaço de terra? Não deveria estar aqui, muito menos roubar o que é meu!
— Desculpe! – o Sr. Carter sussurrou amedrontado – Era para a minha filha.
— Você tem duas opções: ou morre ou se torna meu prisioneiro!
— Perdão, senhor! Não tinha a intenção de fazer mal. Era apenas um presente para a minha filha.
— Não quero saber! – a fera rugiu.
— Santa Maria mãe de Deus!
— Pare de rezar! Não tem como fugir. Ou morre ou se torna meu prisioneiro!
— Meu senhor, eu juro que me torno seu prisioneiro, mas eu imploro, eu suplico, eu lhe peço – o Sr. Carter se ajoelhou, chorando desesperadamente – que me deixe levar os presentes que prometi às minhas filhas. Sou um comerciante ambulante viúvo, tenho três filhas jovens para cuidar, uma delas ainda nem foi apresentada à sociedade, pobrezinha. As deixarei sob os cuidados de uma tia. Elas precisam pelo menos saber que estarei vivo, mesmo que como um prisioneiro. Por favor, deixe-me apenas lhes entregar os presentes e me despedir.
— Você fala demais. – a fera rosnou novamente – Mas deixarei você ir acompanhado do meu mordomo, para que não fuja da sua dívida.
— Deus seja louvado! – o Sr. Carter se jogou aos pés da fera e chorou ainda mais.
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A Bela e A Fera
RomanceNessa adaptação do clássico A Bela e A Fera, ambientada na Inglaterra durante a segunda metade do século XVIII, iremos conhecer a história da Srta. Bela Carter, uma jovem de vinte e três anos, filha mais velha de três irmãs, órfã de mãe, que não tem...