Meu coração martelava debaixo do meu peito enquanto ouvia, por mais quase serem inaudíveis, os gemidos da pessoa. Em algum lugar naquele monte de destroços estaria jogada, talvez num estado em que ela morra.
- Zyder, melhor irmos andando... - Falei dando as costas para aquele lado. O que estava fazendo?
- Como?! Lis! É um ser humano como você...! - Ele me seguia ao lado olhando o tempo todo para trás, parecendo mais preocupado do que eu. Ah, como posso esquecer que Nicola sonhava em proteger a humanidade e pessoas com os seus?
Apesar de Zy ter sido criado por mim e ter dado a inteligência quase humana, o livre arbítrio era meu ainda.
Ou seja, se eu quero abandonar aquela pessoa, eu abandono, se eu quero salvá-la, eu a salvo, posso fazer isso. Só que Zyder não, por quê? Porque ele é um androide, isso vai contra seus princípios feitos pelo homem, ele só pode me obedecer, opinar, sugerir e me seguir. Não se preocupem, um dia encontro a "fórmula" para o livre-arbítrio, também quero que Zyder me mostre suas decisões!
- Não é assunto meu, Zy... - Disse me virando pra ele.
Fechei meus olhos como se tivesse decorado aquela frase para ser dita sempre em momentos como esse:
- "Espero que entenda...".
- Como eu posso entender, se meu Criador não entende? - Ele esboçou um sorriso enquanto meus ombros despencavam.
A memória do Nicola, é como se ele sempre tivesse me conhecido e soubesse dos meus pensamentos. Principalmente a parte que eu nunca dou as costas para alguém, infelizmente tenho quebrado essa palavra há tempos.
Passei a mão nos meus cabelos curtos analisando a situação. Se essa pessoa for da minha área, significa que se ela estiver viva vai ter problemas, mas se for um civil comum? Quem sabe até uma ricaça? Poderia até me dar uma recompensa...
Jesus Cristo! O que estou pensando?! Desde quando fiquei tão interesseira assim?!
- Existe sempre uma oportunidade para mudar Lis, só depende de você... - Sua expressão estava neutra, o que seus olhos diziam eram indistinguíveis aos meus, nada poderia ser comparado com aqueles olhos que mostravam apenas o peso que eu carregava nos lombos há mais de cinco anos.
Sem dizer uma palavra, apenas suspirando, caminhei adentro da penumbra que nos cercava. Sabia que Zyder deve estar confuso com a forma dos humanos tomar suas decisões e mudá-las, ou quem sabe ele nem pergunta coisas assim, deve pensar no mínimo que ter vida é pensar como um.
- O que estou fazendo...? - Me perguntava sussurrando.
Podia ouvir seus suspiros e seus gemidos, menos podia vê-la. Graças à minha sabedoria, coloquei visão de calor em Zyder. O ouvir ligar me deu um alívio instantâneo.
- Elisa... - chamou Zy, me virei para ver a luz dos seus olhos que era a única coisa que podia ver. - Ela está há menos de um metro de nós á sua esquerda.
Assenti e virei meu rosto pra a voz que gemia, até que não ouvi mais. Senti o desespero me tomar e institivamente pus minhas luvas grossas e amarrei meu lenço tampando parte do meu rosto, foi só então que comecei a tirar o material, a suficiência pra tirar aqueles materiais me causaram pequenos danos. Mas dobrei a velocidade quando vi seu braço, esquecendo completamente sobre minha mão assim que peguei no vidro.
- Zyder! - chamei e o androide foi rapidamente me ajudar a tirar uma placa pesada.
Quando deu espaço para que eu visse o corpo da pessoa, me assustei ao ver a menina. Seu corpo estava sujo de sangue e do que parecia ser petróleo, umas partes não tinham como salvar completamente, o certo seria levá-la para um hospital, mas como explicar seu estado? E se a Force ver que sou eu? Posso ser presa por salvar uma pessoa que precisa ser socorrida.
- Zy, perto de casa tem materiais de ligamentos e os mesmos cabos de energia que te formaram, pode buscar e mais deixar a maleta de primeiro-socorros perto da minha cama? - Perguntei. Ouvi seu sistema analisar a menina que estava desmaiada por ter perdido tanto sangue.
- Claro Lis... - Disse me chamando pelo apelido, logo foi fazer o que pedi, caminhando tão normal como uma pessoa que passeia.
Voltei a encarar a jovem, sua posição era como se tivesse sido abusada, o que isso me fazia ter nojo da pessoa que fez isso.
- Vamos ver se consigo te carregar. - Disse passando a mão debaixo de seu corpo, o susto foi maior quando vi que ela era "peso pena".
Seus ossos eram finos e quando comecei a levar a garota, lembrei de quando me encontraram assim também. Sim, eu já fiquei nesse estado á ponto de pensar estar levando uma carcaça para casa.
Assim que cheguei, Zyder tinha acabado de chegar com os fios, ele foi rápido. O vi deixar os fios num canto enquanto levava a garota numa parte improvisada que fiz para tomar banho. Quantos anos ela poderia ter? Talvez a mesma idade que Zy já que ambos eram do mesmo tamanho.
A despi, apesar de que a menina estava praticamente já nua quando a encontrei, o que a cobria mesmo era alguns trapos e o petróleo, tinha que tirar aquele líquido rápido de seu corpo antes que ele entre nas feridas dela, que sua profundidade eram insanas ao meu ver.
Liguei o chuveiro e uma toalha, começando a remover toda aquela sujeira. O mais insano foi a cicatriz que eu vi de seu tórax, uma marca desde da clavícula até a ponta do corpo de seu esterno, reta e cauterizada. Isso não era mesmo um bom sinal. Porém iria perguntar para ela assim que terminasse com tudo que, pelo visto, vou bancar a doutora agora, mas posso chamar um conhecido meu que com toda certeza vai me ajudar. Ele tem as ferramentas necessárias para fechar aberturas que estavam por todo seu corpo e saberia como tratar de infecções loucas como as que a garotinha tinha, ele também tem anestesia.
Ele faz parte do mercado negro e também é um médico muito conhecido, mas não chega a ser famoso.
- Zyder, ponha a garota na cama, sim? E seque-a, por favor. - Pedi e ele obedeceu, estava receoso quanto a pegar um ser humano tão frágil.
O bom de Zy era isso, ele hesitava apenas porque é sua primeira vez pegando um organismo vivo e não por estar pegando uma garota seminua, não é à toa que não existem mais enfermeiros, existem os androides e os médicos.
Dei dois toques na tela do meu micro e ela se acendeu. Depois pressionei na barra de endereços, quando foi para digitar, naturalmente surgiu o teclado na minha frente, numa época pensariam ser um holograma, mas não deixa de ser um. Ele vira um teclado mesmo quando ponho minha fina película de dados, nela posso digitar em qualquer coisa que seja e viajar ainda mais quando ponho o par de óculos, confesso que comprei no merco ou "mercado negro", como estão acostumados em chamar.
- Will...? - chamei num pequeno microfone que tinha no headset - a única coisa que não evoluiu após todos esses anos.
A chamada fica um tempo muda, até que escuto um burburinho e depois um suspiro cansado. Olhei para o relógio e descobri estarmos nos aproximando da madrugada.
- O que? Quem é?
- Adivinha velho biruta...
- Ah, é você SkullDeath? - perguntou e eu bati minha mão na testa, ele ainda lembra desse apelido?
- Não. Elisa Monique... - retruquei irritada.
- Sim, eu sei. O que foi? Se meteu em encrencas de novo...?
- Fala como se arrumasse confusão. - a linha ficou muda e eu o xinguei, ele riu e eu continuei. - Escuta! Preciso de você agora. Não fui eu que me meti em encrencas, dessa vez... - sussurrei a última parte.
A linha ficou muda como se ele tentasse imaginar o que aconteceu.
- Tudo bem, estou à caminho... - falou no fim desligando a discagem online.
Voltei a encarar Zyder que tentava por o máximo de lençóis possíveis para estacar o sangue da garotinha. Levantei e a observei: 1.45m, com certeza deve pesar 39kg. Seu rosto está tão machucado e manchado que não pude ver mais de seus detalhes, apenas a cor de seu cabelo e pele. Essa menina, por mais manchada que estivesse, parecia que brilhava para alguém quando estava acordada. Disso tenho certeza e não entendo a razão, mas sei que ela deve ser muito especial para alguém...
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Natureza Sombria: Hansen
Short Story"Natureza Sombria" se tornou o título de uma coletânea de histórias em que vai mostrar pessoas únicas e com histórias diferentes, mas todos descobrindo sua verdadeira natureza. Livro 1: Hansen Elisa Monique Hansen, uma garota comum aos olhos natura...