Teresa - Parte I

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  A minha historia com o Gaspar tinha tudo para dar errado. Eu implicava com o coitado até dizer chega. Primeiro por ele ter acabado de completar 18, ou seja, era um menino de quase 17, o que significa que além de bobão era só um ano mais velho que eu, e sempre gostei de caras mais velhos. Como se não bastasse, por causa do infeliz me vi na obrigação de abdicar de um dia de diversão com as minhas amigas para fazer um programa família com ele e meus pais.
  Eu explico. O pobre coitado tinha acabado de voltar para o Rio dos de quase três anos no exterior. A minha mãe, que o considerava um sobrinho, quis mostrar a ele como estava a cidade tanto tempo depois, e me pediu pra ir junto. Ela era amiga de infância da mãe dele, estudaram juntas desde pequenas e jamais perderiam o contato. Sempre achei isso bacana, preservar os amigos de colégio. As duas são como irmãs até hoje.
  O Gaspar ficou nos Estados Unidos por dois anos e dez meses. Partiu para lá por conta de um intercâmbio de seis meses mas, como era fera no (acredite!) beisebol, acabou arrumando uma bolsa para jogar no time de uma escola ótima. E, para desespero, saudade de e muito drama de sua mãe, na época chamada por mim de tia Beth (na época uma ova, até hoje eu a chamo assim!), foi ficando, ficando, ficando...
  Nós dois nunca fomos muito chegados. Brincávamos quando nossas mães se visitavam, até nos divertimos, mas era meio esquisito estar com ele. Não tínhamos os mesmo interesses, os mesmos papos. Um exemplo? Numa tarde chuvosa, ele me chamou em seu quarto para me mostrar uma "coisa rara". Fiquei curiosa e fui. O idiota tinha pousado meleca no papel higiênico para me mostrar como "nele das podem ser gigantes e assustadoras".
  Argh! Mil vezes argh!
  É por essas e outras coisas que não sei se quero ter filho homem.
  Tudo bem que ele tinha uns 10 anos e uns 6 de idade mental, mas em hipótese alguma se chama uma menina no quarto para mostrar uma coisa dessas! Tenta ela a idade que for!
  A gente cresceu e ele continuou na dele, desengonçado, deslocado, tímido demais para o meu gosto. Sem molho, sem veneno, sem sal.
Deu pra perceber que eu implicava mesmo com o bichinho, né?
  Além disso, eu implicava muito, muito mesmo, com essa coisa de intercâmbio, essa história de chamar gente que a gente nunca viu de "pai" e "mãe". Claro que acho a experiência de aprender outra língua, de conhecer outra Cultura e fazer novos amigos maravilhosa, enriquecedora... mas eu implico. Sempre tive vontade de passar um tempo fora, sim, mas não bancada pela minha família. Queria ir com a minha própria grana, ou me sustentar trabalhando como garçonete, babá, lavadora de pratos, ajudante de mágico, estátua-viva, qualquer coisa assim.
  Agora que você já sabe o meu grau de antipatia em relação ao Gaspar, puxe presumir que eu poderia ficar mais d dois séculos e meio sem vê-lo que nem notaria sua ausência. E também pode  entender claramente o quão irritada eu fiquei ao saber desse programa que me tomaria praticamente o dia inteiro.
  Não estava com a menor vontade de sorrir para ele, de dar boas-vindas. Queria mesmo era ter coragem de me comportar como uma vaca durante todo o período em que eu estivesse com ele.
  Mas sempre fui boa filha, e a mamãe, uma fofa. Nunca me pedia nada. Por isso, decidi que tentaria parecer simpática, perguntaria detalhes da temporada americana, de "mommy and daddy", fingiria interesse na sua explicação sobre beisebol e futebol americano (sobre o primeiro eu não entendi "lhufas", mas o segundo, adianto, é um pique-bandeira metido a besta) e tiro a das piadas sem graça ditas por ele. Essas coisas que a gente faz para viver pacificamente em sociedade.
  Por dentro, desnecessário dizer que estava achando aquele programa um tédio. O maior da face da Terra. Ir com meus pais a uma churrascaria para o Gaspar matar a saudade do bom churrasco brasileiro depois de um passeio pela orla ate Grumari? Lindo o passeio, eu sei. Mas por obrigação? Ninguém merece!

Era Uma Vez, Minha Primeira VezOnde histórias criam vida. Descubra agora