Teresa - Parte II

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  Some-se a isso o fato de eu não ser nada fã de carne vermelha (sempre, sempre preferi peixe a picanha, fraldinha e afins). Mas tudo bem, eu podia ser uma menina doce e simpática por algumas horas. Minha mãe merece, era uma mãezona e tinha passado comigo, sem chiar uma única vez, o ultimo sábado na Saara procurando fôrmas em forma de violão para eu fazer biscoitos amanteigados e vendê-los para a padaria do condomínio.
  Entrei no carro com a cara amarrada do meu lado avesso é a minha cara falsamente fofa e feliz do lado de fora. Partimos rumo ao Leblon, onde o chato, sem graça, sem alça, sem veneno e sem sal do Gaspar morava.
  Qual não foi minha surpresa ao ver Gaspar!
  Nem de longe lembrava o Gaspar franzino, chato, sem graça, sem alça, sem veneno e sem sal que eu conhecera criança. Ele tinha se tornado um cara e tanto, com músculos em profusão, um cabelinho lisinho que era uma lou-cu-ra, barbinha rala e sensacional por fazer e a pele vermelhinha de sol. Era praticamente a visão do Éden. Um gringo com carioquice na veia, uma mistura de... Príncipe William, Brad Pitt e Caio Castro. Não...
  Bem melhor que isso.
  Em dois segundo, girei meu rosto e pus sua melhor versão pra fora: um semblante muito, muito simpático mesmo, e um olhar pisca-pisca de libélula apaixonada.
  Quando ele abriu a boca, percebi que o Gaspar que eu conheci criança tinha ficado no passado (yes, Baby! Yesss!, comemorei). O Gaspar pós-intercâmbio era conversado, arriscava vez ou outra umas piadinhas verdadeiramente engraçadas, era espirituoso, cavalheiro (abriu a porta para mim e para minha mãe na saída do restaurante, very gooood!) e contou coisas muitos legais sobre experiências de morar fora do país.
  Morreu de saudades do Brasil, dos amigos, do rango, do samba, de todo, mas aguentou porque sabia que seria importante para dia história, para sua alma, para seu amadurecimento. E eu tentando esconder meu fascínio diante de tanta sabedoria.
  Ah! O menino era ou não tudo na vida de uma pessoa? Era ou não era?
  Seu olhar era especial, sedutor. O meu também, devo confessar. O tal olhar libélula de que falei antes... assim eu me refiro ao meu olhar sedutor. Aquele que você lança para uma pessoa louca para que ela te lance o dela de volta.
  E pensar que passei algumas horas do dia chateadíssima, ruminando o martírio que seria sair com o cara.
  Tadinho!
  A orla estava linda, o céu nunca esteve tão cinematograficamente arroxeado, o passeio de carro foi um deslumbre é o "japa" da churrascaria nunca me pareceu tão apetitoso (o rango! Não o japonês que preparava o rango, por favor, não vá pensar bobagens!). Enfim, foi uma tarde sensacional, perfeita e maravilhosa com o ex-chato e ex-sem graça mais gracinha do planeta.
  Quando chegamos ao edifício em que ele morava com os pais, arrisquei:
- Você já foi ao Jardim Botânico desde que voltou?
-Eu não vou ao Jardim Botânico desde que eu tinha 4 anos. 
-Que vergonha, Gaspar! - exclamei, toda charmosa. - O que você acha de ir comigo lá amanhã? Continua divino! É de chorar.
-Três horas?
-Fechado. - Selei nosso trato, sorriso bobo e doce no rosto.
  Mas quer saber? Ele também me deu um sorriso bobo e doce antes de se virar e sair do carro.
  O silêncio sobre quatro rodas acabou assim que paramos no sinal:
- É isso mesmo?
- Isso mesmo, o quê, pai?
- Você flertou com o Gaspar descaradamente na nossa frente?
- Qual é, pai? Que é que tem? Você por acaso acha que não dou mole para os meninos quando eu saio?
- Achar é uma coisa, minha filha, ver você fazendo é outra. Totalmente diferente.
-Deixe de implicar com ela, Elter - mamãe partiu em minha defesa. - Mas não posso deixar de te dizer que estou sem saber o que pensar. Nunca passou pela minha cabeça que você pudesse se interessar pelo Gaspar, você sempre achou esse menino uma mosca-morta.
  As coisas mudam, expliquei para mandar, cantarolando Raul:
- "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo..."
  No dia seguinte, acordei com uma súbita vontade de me sentir a menina mais linda do mundo. Muito mais linda que a mais linda das lindas. E nada melhor que sentir-se bonita por dentro para ficar bonita por fora.
  Claro que o que eu queria era que o Gaspar me achasse a mais bela das belas. Para isso, tratei de começar a produção às dez da manhã. Fiz as unhas (até as dos pés, uma raridade na minha adolescência), uma hidratação básica no cabelo, botei na minha pele pálida um autobronzeador meio fedorento mas que deu conta do recado (em pouco tempo fiquei coradinha) e joguei todas as roupas estilo piquenique em cima da cama.
  Além dos biquínis, claro. Afinal, já que íamos ao Jardim Botânico, por que não uma esticadinha até o Horto para um banho de Cachoeira?
  Banho de Cachoeira? Hum... você deve estar pensando. É, um banho de cachoeira, eu admito que estava com a cabeça povoada por alguns pensamentos... bem... pensamentos mais... quentes. Ui! Ta, "quentes" foi horrível! Mas você entendeu!
  Além do mais, não era dar muito mole pra chamar um cara para um banho de cachoeira numa tarde de quarta-feira, só nós dois, eu e ele, ele e eu, era?
  Sim, era. Muito. Muito mesmo.
  Ah! E daí? Estava disposta a ver até onde iria meu interesse por ele (é o dele por mim).
  Escolhi a roupa (uma bermuda Jens desfiada tênis, camisetinha branca nova mas com carinha vintage e um casaco de moletom vermelho, caso esfriasse no fim do dia) e fiquei esperando dar duas horas, quando pegaria o ônibus do condomínio rumo à Zona Sul.
  Marcamos no café do Jardim Botânico.
  Quando cheguei, ele estava sentado numa mesinha bebericando um refrigerante e beliscando uns pães de queijo.
  Lindo.
  Lindo?
  Não.
  Liiiiindoooo!
 
 

Era Uma Vez, Minha Primeira VezOnde histórias criam vida. Descubra agora