Capítulo 9

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Já em casa, após tomar um banho e me refrescar um pouco dos efeitos daquele dia quente e abafado me surpreendi com um vento repentino que levantou a cortina da janela da sala.

Era a tão prometida chuva que dona Cristina temia, mas já não lhe causaria transtorno.

Ao olhar o balançar da cortina fiquei imaginando que se mamãe Ana estivesse ali, estaria debruçada naquela janela com olhar de contentamento; o que para muitos seria apenas um período chuvoso sobre uma horrível favela, para ela era uma dádiva dos céus.

Ela ficava ali sentindo o cheiro da terra molhada com os olhos perdidos nas nuvens e agradecendo a Deus pelo momento...

Eu não conseguia estender como coisas tão simples podiam despertar em mamãe Ana um sentimento de gratidão tão poderoso.

As coisas não precisavam ser essencialmente belas ou boas, era como se a felicidade brotasse de dentro dela.

Por um segundo me lembrei do senhor Carlos dizendo:

A vida é simplesmente a vida amiguinho! Nós que temos a obrigação de torná-la feliz!

Aproximei-me da janela tentando sentir o que mamãe Ana sentia nesses seus momentos de contemplação; olhei para o céu como ela fazia e tentei sentir o cheiro da terra molhada. Apesar do vento, percebi que a garoa ainda era fina e as nuvens só cobriam uma pequena parte do azul do céu.

Foi quando percebi naquelas nuvens as siluetas de duas pessoas, apesar de engraçado a cena começou gerarem mim um forte desequilíbrio emocional, eu começava a enxergar os rostos de minha mãe e meu irmão e isso sempre era somado à um sentimento de perda.

A partir daí eu já estava sonhando acordado, não dependia mais das nuvens pois as imagens se formaram voluntariamente de maneira muito vívida em minha cabeça; nesse momento uma forma retangular tomou conta da cena, era a maldita moldura que não sei por que, sempre me fazia sentir uma dor e desespero muito fortes

Mas em meio a todas essas recordações me dei conta de que a chuva iria me atrapalhar um pouco, pois desejava voltar ao bar que procurei informações e ver se o dono tinha alguma novidade a esse respeito.

A chuva não me atrapalharia tanto se tivesse comprado um carro, já havia passado da hora de comprar um; tendo em vista de que possuía uma quantia relativamente alta no banco.

Dinheiro esse que providenciaria a casa dos sonhos de mamãe Ana, mas de qualquer forma o ponto de ônibus estava lá e alguns minutos depois cheguei ao bar.

-Boa tarde senhor!

Por favor um café.

-A chuva caiu de repente não é rapaz?

-Caiu sim!

Eu queria lhe perguntar uma coisa, não sei se esta lembrado, eu sou o rapaz que esteve aqui há alguns dias com outro moço procurando o paradeiro de uma família.

Num ato repentino ele correu para a pia e começou a lavar alguns copos dizendo:

-É me lembro, mas perguntei para as pessoas mais antigas porem todos não se recordam e a maioria se mudou daqui.

Tive a impressão de que dessa vez, após me reconhecer, minha presença o incomodava de alguma forma e enquanto tomava o café percebi que ele frequentemente me observava por cima dos óculos.

Fiquei sem saber o que pensar, por um segundo tive ódio daquele homem e simplesmente paguei o café e fui embora.

Como uma pessoa podia se tornar tão indiferente em relação à dor do outro?

O portador do segredoOnde histórias criam vida. Descubra agora