Capítulo 14

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Sempre gostei de andar pela praia. Pisar na areia e poder admirar o pôr-do-sol me fazem muito bem. Daquela vez então, era melhor ainda, pois ao meu lado - fazendo bem ao coração - caminhava a pessoa mais bonita do mundo: o meu namorado. Por vezes controlei meu impulso para não abraçá-lo e no resto desse desejo fiquei apenas com escassas aproximações do corpo, naturais entre dois amigos.
Tomávamos caipirinha de vodca com kiwi à mesa de um barzinho da praia, quando Renato disse:
Olhando esse mar todo, sabe do que eu tenho vontade?
De nadar, Renato.
Como você é inteligente, Marcus! A sua sensibilidade é demais cara.
Rimos e ele continuou a falar.
A vontade que eu tenho é de ficar aqui com você para sempre, cara.
Eu topo, Renato!
Como 'Eu topo', Marcus? Acho que você já tomou caipirinha demais.
É sério, Renato! Por você eu largo tudo.
Me sentindo beijado pelo seu olhar, eu disse:
Estar aqui com você me faz sentir uma pessoa um milhão de vezes melhor. Se não fosse a nossa coragem de enfrentar todas as situações, nossos sentimentos ainda estariam sufocados pela mediocridade das pessoas. Hoje, Renato, eu me sinto vivo!
Oferecendo-lhe caipirinha, falei:
'Coragem'- se não fosse por ela, eu ainda seria um infeliz na vida e passaria os dias me lamentando por não poder ser verdadeiro comigo mesmo.
Antes que ele pudesse acender um cigarro, eu disse:
Vamos ver quem chega primeiro na água?
Mas nós estamos de calção, Marcus.
E daí? Estamos de short.
Perdi a corrida, mas cheguei na água me sentindo um vencedor na vida. Num mergulho, emergi por detrás dele e, com tudo, o empurrei para dentro da água. Entre abraços apertados e empurrões, brincamos como dois meninos podem brincar. Se a felicidade pudesse ser medida em aura, a minha com certeza, disputando o sol, iluminaria toda a praia.
Jogados na areia - lado a lado - esperávamos que a respiração voltasse ao normal, quando Renato disse:
O que desceu em você? O Espírito Santo?
Quase isso! Eu estou me sentindo bem pra caralho!
Sorrindo, ele disse:
Tentar me derrubar na água te deixa feliz, Marcus?
Comecei a rir.
Você nunca vai saber como é bom estar com você, cara!
Sabe o que eu acho, Marcus? Aqui nesta praia deve ter algum cabo elétrico enterrado e sem querer você pisou nele.
Nós dois rimos muito e, tentando ser poético, com seriedade, falei:
Eu acho que fui atingido pelo espírito de Natal.
Mas o Natal já passou. Hoje é o último dia do ano, Marcus!
E daí? Espírito é espírito.
Não conseguíamos olhar um para a cara do outro, que começávamos a rir da besteira que eu tinha dito. De qualquer forma, saí da praia me sentindo um rei.
Já na pousada, havíamos apostado quem chegaria primeiro ao banheiro. Estava vencendo - na frente dele consegui passar pela porta do apartamento. Correndo, bati com o dedinho do meu pé no pé da cama. A dor foi horrível. Impulsivamente me atirei sobre a cama, e lá me contorcia, enquanto ele - da porta - não parava de rir. Ofendido ao extremo com os risos dele, comecei a xingá-lo com todos os palavrões que conhecia. Renato tentava se defender:
Marcus, me desculpe…
Mais risos.
Marcus, me desculpe, mas a cena foi muito engraçada!
É errado… rir de uma pessoa que… sofre… Renato.
Aproximando-se de mim, ele disse:
Me deixe ver o estrago que você fez.
Tentando segurar o riso, Renato falou:
Não foi nada, Marcus. É só um cortinho.
Quando o vi se aproximar com um anti-séptico em spray e um Band-Aid, disse:
Você… não vai espirrar… isso no meu dedo.
Mas é preciso, Marcus. O seu pé está todo sujo de areia, cara.
Isso… deve arder… Renato.
Deixe de ser covarde, Marcus.
Não… você não vai… pôr.
De banho tomado e com o anti-séptico no dedo, fomos para a varanda descansar. Com as cadeiras inclinadas e bebendo cerveja, nós estávamos conversando quando o telefone tocou. Renato atendeu:
Alô! Oi, dona Ana, aqui é o Renato. Tudo bem com a senhora?
Não sei o que tanto minha mãe falava, pois eles ficaram ao telefone por quase cinco minutos. Renato dizia hã, hã e pode deixar.
Um abraço para a senhora também. Vou passar a ligação para o Marcus. Um beijo.
Oi, mãe! É o Marcus.
Pelo tom de sua voz dava para perceber que lá em Jundiaí estava tudo bem. Ela disse que meus avós aceitaram a minha ausência numa boa e que meu avô quebraria - na passagem de ano - cinco pratos em meu nome. Sugeri a ela que fossem quebrados cem. Começamos a rir. Realmente minha mãe estava com um bom astral, tanto que, após eu ter desejado uma ótima passagem de ano, fui surpreendido por ela:
Um beijo para você também, meu filho. E nunca, nunca se esqueça de que a mamãe te ama acima de tudo!
Eu…
Marcus? Você ainda está aí? Marcus?
Eu… também… te amo muito… mãe.
Apesar de nunca ter tido dúvida desse amor, foi a primeira vez em que ouvi minha mãe dizer que me amava. E isso foi o que me deixou muito emocionado. Quando desliguei o telefone, Renato estava trocando o meu Band-Aid que havia se molhado com o banho e antes de colocar o novo curativo, ele beijou várias vezes o meu dedo.
Por que você não falou com o seu pai, Marcus?
Ele havia saído com meu avô. Foram buscar mais vinho.
Renato, o que tanto minha mãe te falou?
Por quê? Você está com ciúmes?
Lógico que não. É que você só respondia: hã, hã e pode deixar.
Abrindo mais uma latinha de cerveja e debruçando-se sobre mim, ele disse:
Ela pediu para que eu cuidasse bem de você.
Sério? O que ela pediu a você?
A cada situação sugerida pela minha mãe, ele me dava um beijo:
Entre outras coisas, para que você não beba demais… Não pegue friagem… Não ande descalço em chão gelado… E que eu não o deixe dormir sem camiseta, já que você se descobre muito à noite…
A melhor coisa do mundo era poder amar e ser amado por alguém. Sentir isso era como ganhar um presente de Deus a cada minuto. Como fazia bem ao coração poder dividir com o Renato desde as coisas mais importantes até as mais simples da vida. Adormeci na cadeira da varanda com o gosto do seu beijo na boca.
Com beijos no pescoço e no rosto, Renato tentava me acordar. A princípio, como num sonho, sua voz me chamando parecia bem distante. Ainda sem abrir os olhos, tentei me espreguiçar e desisti quando senti a sua boca debaixo do meu braço:
Aí não, Renato. Eu tenho cócegas…
Então acorde, alemãozinho, já são quase onze horas da noite.
Dormi tanto assim?
Ele havia tomado banho e já estava vestido - todo de branco - para a passagem de ano.
Eu já separei a sua roupa, Marcus. Agora só falta o banho.
Renato foi comigo até o banheiro e abriu o chuveiro - regulando a temperatura da água - para mim.
Pronto, Marcus! Enquanto você toma banho, vou para o quarto esperar a nossa ceia chegar.
Quando entrei na varanda já estava tudo pronto. O pessoal da pousada havia caprichado na mesa. O charme todo ficava com a toalha na cor vinho e o carrinho todo em madeira, que - além de algumas frutas - tinha na parte superior uma garrafa de champanhe importado, num balde de gelo, de prata.
Gostou, Marcus?
Muito bonito. Depois precisamos agradecer ao Ronaldo.
Você não acha que pediu comida demais, Marcus?
Com a fome que estou, acho que não.
Comecei a rir.
Você tem razão, Renato. Mas esse exagero é por conta da pousada. Tudo bem que eu pedi vários pratos, mas tudo em pequena quantidade.
Era mentira. Sem me preocupar com quantidade, eu havia pedido por um pedaço de pernil, arroz branco preparado com uva passa, pimentão com alixe - um dos meus pratos prediletos -, salada completa e muitas frutas. Para beber, quatro garrafas de champanhe importado.
Só veio uma garrafa de champanhe, Renato?
Não, vieram quatro. As outras estão no frigobar.
Renato abria o champanhe quando, como um flash, minha memória foi buscar a imagem do meu segundo avô, já falecido; o vovô Duílio. Apesar da minha pouca idade na época - ele partiu quando eu tinha doze anos -, vovô foi uma das melhores pessoas que conheci na vida. Foi com o seu incentivo - ele foi o meu primeiro torcedor - que eu aprendi a nadar e a jogar tênis, entre tantas outras coisas. O vovô dizia que a vida era curta demais e por isso era importante sempre ter um objetivo, fosse ele qual fosse. Na época, eu não entendia direito o significado disso, mas uma frase dele nunca ficou esquecida: A vida é tão rápida como um relâmpago, aproveite-a.
Minhas esperanças foram interrompidas com o Renato me oferecendo uma taça de champanhe.
Um brinde ao loirinho mais bonito e gostoso do planeta!
Com as suas mãos na minha cintura e ao som de Surfer girl, começamos a dançar. Nós nunca havíamos feito isso antes e meu coração, em resposta ao tamanho da emoção que eu sentia, batia cada vez mais forte. Fogos incendiavam o céu e seus beijos me incendiavam a alma. O novo ano chegou, e com ele veio um par de alianças muito bem transado. Dançando ao som de músicas do passado, fui sendo despido lentamente, até ficar completamente nu. Suas mãos corriam pelo meu corpo e me apertavam cada vez mais, numa dança quase parada. Banhado com taças de champanhe derramadas no ombro, me deixei conduzir pelos seus desejos. Cada parte do meu corpo pôde sentir o calor da sua língua em contraste com o frio da bebida. De costas para ele e sentado no seu colo, eu levava pequenas mordidas no pescoço enquanto, com a sua mão esquerda, ele me masturbava. Gozei com tudo e senti o gosto do meu próprio esperma, que pelos seus dedos foi levado à minha boca.
Você é muito louco, sabia?
Só eu, Marcus?
Sorrimos e nos beijamos.
E essa comida toda, Marcus. Vamos encarar?
Você não quer que eu faça você gozar primeiro?
Você já fez, Marcus.
Quando?
Dançando, cara.
Sério, Renato?
Sério. Olha a minha calça toda melada.
Antes que eu pudesse falar alguma coisa, ele insistiu:
E então, Marcus? Vamos encarar essa comida fria?
Não precisa falar duas vezes.
Tudo foi perfeito naquela coisa, até as imperfeições. Meu coração hesitava em pensar que logo teríamos de voltar a São Paulo e, passando por cima de tudo isso, me fazia acreditar que aqueles momentos seriam eternos. A aliança de prata na minha mão direita, com o nome dele gravado, representava mais do que um compromisso: era a realização de um sonho.
Renato, porque de prata?
É diferente… é jovem… é atraente… como alguém que conheço…

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