Capítulo 11

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Na semana logo após o Natal, agitamos com os nossos pais uma viagem para o litoral norte de São Paulo. Eu e Renato queríamos passar o Ano Novo sozinhos num hotel. Mas para isso precisaríamos de grana, e eu não queria mexer na minha poupança novamente. Também minha mãe teria que deixar o carro dela com a gente. No início, eles hesitaram um pouco. Primeiro disseram que os meus avós ficariam chateados. Depois, que não conseguiríamos reservas num hotel em cima da hora. E, por último, como faríamos no hotel para que ninguém percebesse nada? Respondi a eles que nós ficaríamos num apartamento com duas camas de solteiro, ou seja, dois amigos passando o Ano Novo juntos. Disse, também que já havíamos feito contato com um hotel em Boiçucanga, e que ainda era possível reservar um apartamento pagando um pouco a mais pela diária. Na verdade esse 'um pouco a mais' representava quase o dobro da diária, mas achei melhor não contar nada a eles.
Antecipando-se a meu pai, minha mãe disse:
Você pensou em tudo, não é Marcus? E quanto aos seus avós? Você sabe que eles gostam de ver a família toda reunida em Jundiaí para a passagem de ano.
Meu pai quase não deixou minha mãe terminar de falar dizendo que o problema com o seu Francesco eles resolveriam. Percebi que ela ficou surpresa com a atitude dele. Acho que era a primeira vez que meu pai não estava ligando muito para o que meu avô iria pensar.
Antes de sair da sala, ele disse que eu poderia fazer as reservas e depois dissesse a ele quanto em dinheiro iria precisar.
Meio inconformada com a decisão do meu pai, minha mãe subiu as escadas logo atrás dele, mas esperou que chegasse à suíte para questioná-lo. Eu também subi e, com o ouvido na porta, escutei o que eles diziam:
Ana, nós sabemos que o problema maior não é o seu pai. Nada na vida é eterno. Este ano é o Marcus que não poderá estar presente na festa. No ano que vem, poderá ser outra pessoa, e assim a vida continua. Eu mesmo me encarrego de inventar uma história qualquer para o seu Francesco.
Sei que você está certo, Giorgio. Mas me incomoda saber que o nosso filho, que só tem dezesseis anos, vai ficar com um rapaz alguns dias num hotel. Já parou para pensar no que pode acontecer?
Ligeiramente alterado, mas com a voz firme, meu pai disse:
É óbvio que já pensei, Ana. Só que é impossível querer controlar uma situação como essa. É como tentar impedir que as ondas se quebrem na praia. No fundo, Ana, estou tentando ser digno dentro da lama.
Minha mãe suspirou fundo, e meu pai continuou a falar:
Outra coisa, Ana. O Marcus já vai fazer dezessete anos e o rapaz com quem ele vai viajar tem nome, tem família e estuda no mesmo colégio.
E você acha que isso é suficiente para atestar a conduta do Marcus? Eu não estou entendendo você, Giorgio!
Pelo tom de voz de meu pai, eles já estavam a ponto de discutirem:
Ana! Quando você vai entender de uma vez por todas que não somos nós que definimos a tendência sexual do nosso filho? Se fosse assim, eu diria: 'Marcus, a partir de agora, você gosta de mulher' e pronto, como num passe de mágica tudo estaria resolvido.
Por alguns minutos, silêncio absoluto no quarto.
Ana, não sei se estou decidindo certo ou errado, mas sei que prender o Marcus dentro de casa não vai adiantar nada. Já falei que estou tentando ser digno dentro da lama. Outra coisa, Ana, prefiro não pensar muito no que eles fazem, mas com certeza alguma coisa já deve ter acontecido. Ou você acha que não?
Ele não esperou a resposta dela e continuou a falar:
E tem mais, Ana! É importante sim conhecer a pessoa com quem o nosso filho está. Pior seria se nem isso nós soubéssemos. Bem ou mal, o Renato vem de uma família estruturada, que tem pai, tem mãe e ainda tem um irmão que está noivo.
Minha mãe continuava em silêncio.
Eu já nem sei mais o que estou dizendo, Ana. Vou tomar uma ducha.
Apesar de ele ainda não me aceitar, gostei muito do que meu pai havia dito. Além de pai eu começava a sentir nele um amigo.
Na casa do Renato não houve problema algum, tanto que, depois de confirmar comigo, ele mesmo fez a reserva do apartamento.
Tudo estava resolvido, e a noite que antecedia a nossa viagem foi uma das piores da minha vida, tamanha era a ansiedade que eu sentia.
No dia da viagem acordei cedo e quando desci para o café meus pais já estavam na cozinha.
Bom dia, pai. Bom dia, mãe.
Depois de nos beijarmos, minha mãe perguntou:
Que horas você marcou com Renato, Marcus?
Nós combinamos às nove horas da manhã, mãe.
Tomando o café, meu pai disse:
Não se esqueça de pegar os documentos do carro, Marcus. Eles estão na mesinha da sala, junto com alguns números de telefones, que eu mesmo separei para vocês levarem.
Que telefones, pai?
Caso vocês precisem de alguma coisa e por um motivo qualquer não consigam falar comigo, as pessoas que estão nesses números poderão ajudá-los.
Pode ficar tranqüilo, pai. Não vai acontecer nada de ruim.
Não sei o que passava na cabeça de meu pai, mas eu já havia viajado inúmeras vezes, inclusive com Renato, e nunca ele teve uma preocupação tão grande como agora. Eu ainda refletia sobre o que tinha acabado de ouvir, quando ele disse:
Outra coisa, Marcus. Não vá esquecer de me passar o nome e o telefone de onde vocês vão ficar.
Sorrindo, eu falei:
Quando Renato chegar, eu pego com ele e passo a você, pai.
Ele conversava comigo numa boa, mas não me olhava firme nos olhos como de costume.
Você falou que o hotel fica no litoral norte, Marcus?
Hã, hã. Só que não é um hotel, é uma pousada, pai.
Mas o lugar é bom, filho?
Renato falou que é de primeira, pai.
Preparando um suco de laranja, minha mãe perguntou:
Em que região do litoral norte fica a pousada, Marcus?
Entre Boiçucanga e Barra Sahy, mãe.
Meu pai comentava que essa região era muito bonita, quando eu disse:
Pai, o senhor fez o DOC para a conta corrente do Renato?
Fiz, Marcus, ou melhor, a Maria Estela fez.
Maria Estela era sua secretária. Minha mãe dizia que se não fosse a Maria Estela, ele não conseguiria trabalhar direito, já que ela cuidava de tudo. Desde a conta corrente dele até as revisões nos carros.
Eu já estava saindo da mesa para pegar as mochilas no meu quarto, quando meu pai perguntou:
Esse dinheiro que eu mandei para a conta do Renato é para pagar a pousada, filho?
É sim, pai. A família do Renato não é pobre, mas também não é rica.
Eu ainda conversava com ele quando a campainha tocou. Era Renato. Correndo, fui atender à porta.
E aí, Marcus, tudo bem?
Melhor agora, cara. Vamos até a cozinha? Meus pais estão lá.
Todos se cumprimentaram numa boa e Renato tomava um cafezinho quando meu pai perguntou a ele:
Que caminho você vai fazer, Renato?
Eu vou pela rodovia dos Trabalhadores, senhor Giorgio.
E pega a saída para Mogi das Cruzes?
Isso mesmo, passa por dentro de Mogi, pego a rodovia Mogi-Bertioga e depois a Rio-Santos.
Muito cuidado nessas estradas, Renato. Principalmente agora que é uma época de festas e todo mundo bebe demais.
Pode deixar, senhor Giorgio.
Meus pais quiseram saber de tudo. Minha mãe forneceu papel e lápis para Renato anotar o nome e o telefone da pousada e depois de 'um milhão de recomendações' nos acompanharam até a porta e, abraçados, esperaram que a gente partisse:
O carro já estava em movimento, quando da janela eu gritei:
Pai, mãe: obrigado!
Nós dois estávamos muito excitados com a viagem. A sensação de liberdade era muito grande. A impressão que eu tinha era que o meu peito iria explodir de tanta felicidade. Pela primeira vez, Renato e eu estávamos viajando sozinhos como namorados e, melhor ainda, sem ter que esconder isso dos nossos pais. Essa viagem representava muito mais do que um simples passeio. Era uma conquista!
Eu nem acredito que nós vamos passar o fim de ano sozinhos, Renato.
Você está feliz, Marcus?
Demais, cara. E você?
Passando a mão sobre a minha coxa, ele disse:
Com o meu alemãozinho do lado, o que você acha?
Renato estava de camiseta, short, meias brancas e tênis. Só olhar para ele me deixava excitado. Percebendo isso, ele disse:
Marcus, vem brincar um pouco com ele.
Agora?
É, agora.
Mas você está dirigindo, Renato.
Mas ele, não.
Tirando-o para fora do short, ele falou:
Pronto, cara, vem cair de boca.
Foi um tesão. Eu nunca o havia chupado daquele jeito. Ele gozou muito em meio a um fantástico ziguezague com o carro, e eu engoli cada gota jorrada.
O que também me deixava muito excitado era a forma como Renato dizia as coisas. Esta expressão 'vem cair de boca' me faz gozar espiritualmente.
Demoramos quase três horas para chegar à pousada e a caminho ainda paramos para um café num lugar muito bonito, chamado Riviera de São Lourenço.
Gostei da pousada logo que a vi. Ela não era nada sofisticada, mas tinha uma coisa muito importante: charme!
Boa tarde. Em que posso ajudá-los?
Eu ia responder, quando Renato tomou a frente:
Eu fiz reserva de um apartamento em nome de Renato Assunção.
Perfeitamente. O apartamento de vocês já está pronto. Você deve ser o senhor Renato?
Sou eu mesmo, mas não precisa me chamar de senhor.
Checando numa planilha, o recepcionista olhou para mim e disse:
Então, você só pode ser o Marcus Dório, quero dizer, o senhor Marcus Dório. Sejam bem-vindos à nossa pousada.
Enquanto preenchíamos as fichas, o recepcionista, olhando para Renato, não parava de falar.
O apartamento de vocês tem duas camas de solteiro e, a pedido do senhor, quero dizer, a seu pedido, o frigobar foi abastecido quase na sua totalidade com cervejas em lata. Eu queria falar também deste folheto. Nele vocês poderão verificar todos os serviços que a pousada oferece, desde o café da manhã até os serviços de quarto, onde…
Renato interrompeu o cara:
Qual é mesmo o seu nome?
Puxa! Eu esqueci de me apresentar a vocês, quero dizer, aos senhores. Me desculpem, eu sou o Ronaldo.
O rapaz devia ter seus vinte e cinco anos mais ou menos e nos passava a impressão de que tentava seguir um script qualquer do tipo 'como receber hóspedes'. Porém, se enrolava todo.
Por iniciativa do Ronaldo, mais uma vez nos cumprimentamos, e Renato disse a ele:
O importe, Ronaldo, é não deixar faltar cerveja no frigobar. Agora quanto ao resto, em caso de dúvidas, a gente liga, Ok?
Perfeitamente, senhor Renato, quero dizer, Renato.
Outra coisa, Ronaldo. Qual é o número do nosso apartamento?
Ah, sim. É o apartamento número… vinte e dois, que fica no segundo andar. Subindo as escadas, do lado esquerdo do corredor.
E as chaves, Ronaldo?
Ah, sim. Estão aqui.
Livres do confuso Ronaldo, pudemos subir para o nosso apartamento. Internamente a pousada mantinha o mesmo charme que do lado de fora. De uma forma meio rústica, possuía muitos detalhes em madeira e devia ter, no máximo, quarenta apartamentos nos seus dois andares.
A satisfação que eu sentia em poder estar ali com Renato era tão grande, que subi as escadas imaginando ouvir a música. La donna é mobile, de Verdi.

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