1- Um rosto na escuridão

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"O que brilha com luz própria, nada pode apagar." (Pablo Milanez)

Quando desci do carro respirei fundo como se pudesse absorver todo o ar daquele lugar. Pequenas gotas de sereno escorriam pelo meu rosto, o clima estava frio e úmido mesmo já passando das dez da manhã. Parei diante do que seria minha nova casa, era exatamente como na imagem no catálogo, pequena e aconchegante, apesar de pessoalmente parecer está mais desgastada que na imagem.

- É perfeita!

Exclamei admirada assim que posicionamos minha mala do lado de fora do carro.

- É horrível! - Alyson murmurou descendo uma caixa do porta-malas.

- Não seja exagerada, Aly.

- Não estou sendo, qualquer cego ver que esse lugar está caindo aos pedaços. Não posso acreditar que você vai morar aqui.

- Não é como se eu fosse morar para sempre, né? São só cinco meses, o tempo que a editora me deu para escrever meu livro.

Começamos a carregar as malas e algumas caixas para a varanda de entrada. Não estava sendo a coisa mais fácil do mundo caminhar ali, o chão estava escorregadio e coberto por musgos verdes, assim como tudo ao redor.

- E você precisava se meter nesse fim de mundo? Olhe ao redor, Keana. Esse lugar é cinza, sem vida, sem cor. Você observou bem a cidade? Aqui não tem nada de atrativo!

Posicionei a chave na fechadura enquanto ouvia os constantes resmungos de Alyson.

- Eu já te disse que esse lugar tem lendas, tem história...

- Mas você não precisava vir pra cá!

- Sabe como eu sou, gosto de viver as personagens que escrevo. Se for pra escrever sobre algo quero ver de perto. Aqui vou ter a paz que preciso e a inspiração necessária, gosto do jeito tímido desse lugar.

- Não seja cínica, Keana Lavine! Você adora Sol, praia, luz, gente, barulho e...

- Chega Aly! - gritei e ela me olhou com um certo espanto - Você não me convencerá a voltar, preciso desse tempo e você sabe muito bem o porquê.

- Não pode fugir dos seus problemas assim.

- Não estou fugindo, estou unindo o útil ao agradável.

Me virei de costas para ela novamente e voltei a abrir a porta que rangeu assim que foi aberta. Busquei o interruptor com a mão e acendi as lâmpadas que para minha surpresa funcionavam.

- Não foi sua culpa... - ela sussurrou colocando a mão em meu ombro.

- É claro que foi, todos sabem que foi - nos olhamos e senti meus olhos se encherem de lágrimas.

Alyson me olhava com dó e logo me abraçou como tantas vezes já havia feito, como se um abraço pudesse me proteger de tudo que me atormentava, mas não podia. Nada podia me proteger do peso da culpa. Se fechasse os olhos ainda podia ouvir o barulho dos tiros ecoando em minha mente. Eu precisava dessa paz, precisava desse recomeço.

- Você não apertou aquele gatilho - ela me olhou e passou a mão em meu rosto secando lágrimas que insistiam em cair.

- Isso não minimiza minha culpa, se eu tivesse...

- Ahhhh! - Aly gritou me fazendo arregalar os olhos.

Correu e subiu na cadeira mais próxima, me deixando com uma expressão interrogativa no rosto.

- UM RATO PASSOU POR CIMA DO MEU PÉ!

O olhar apavorado de Alyson era de fazer rir qualquer pessoa, era ridícula a cena daquela mulher de vinte e cinco anos se tremendo e tentando subir na mesa.

Minha luz particularOnde histórias criam vida. Descubra agora