4- Deixa molhar

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"As chuvas não vão regar o meu espírito ensolarado." (Juscelino Vieira Mendes)

Não houve choro. Nem dor. Nem luto. Parecia que apenas a natureza se derramava em lágrimas através de gotas de chuva. A morte apesar de algo natural, não é fácil de ser aceita. Mas em Pinkons ela parecia ser recebida sem grandes protestos, como se a cidade toda aceitasse com unanimidade que a morte sempre vai chegar e que ela mesma escolhe suas vítimas.
Dez dias haviam se passado desde que a pequena Lúcia havia sido morta, Annie chorou e se lamentou, mas logo pareceu conformada. Era como se tudo fosse um jogo em que a sorte ou no caso, o azar, uma hora apontasse para você e então fosse inevitável. Exatos sete dias após a morte de Lúcia, um senhor também foi morto e encontrado no lago. Mesmas marcas, mesmo lugar, mesmas características entre um assassinato e outro, exatamente como Nicole havia me dito " Sempre morre alguém no primeiro e último dia da Lua Nova". E ninguém fez nada a respeito, passado os dias da Lua Nova, a cidade pareceu reviver um pouco e voltar a sua rotina sem lembrar das vítimas que as noites de Lua Nova haviam levado. Mas eu não conseguia entender, não conseguia lidar, enquanto as pessoas atribuíam isso quase que a algo sobrenatural, nada me tirava da cabeça que em Pinkons havia um assassino, alguém que usava da ingenuidade do povo dessa cidade para atribuir os assassinatos a algo místico. Isso impulsionou o livro de mistério que comecei a escrever e a cada palavra escrita, mais eu queria saber sobre esse lugar, sobre essas pessoas, sobre isso que eles tanto temem e chamam de Mal.

- Você não cansa de ficar olhando pra essa tela? - Pietro perguntou em tom risonho ao se aproximar da mesa em que eu estava.

Retirei meus olhos do Notbook e o fitei, estava ainda mais forte do que a última vez que o vi. A barba mal feita em seu rosto não deixou de me chamar atenção, ele parecia uns dois anos mais velho e isso era bom, muito bom.

- Não tem muito o que olhar por aqui, não acha? - falei vendo a chuva torrencial que escorria pela janela.

- Talvez não muito o que olhar, mas sempre tem muito o que enxergar por aqui.

Foquei meus olhos nele que permanecia com uma expressão serena no rosto e um doce sorriso nos lábios.

- E o que você ver?

- Nesse momento?

- Sim.

Ele se abaixou um pouco até que seu rosto estivesse na altura do meu. Nossos olhares se cruzaram e de alguma forma eu acabei gostando muito daquela aproximação.

- Vejo alguém que já deveria ter pedido o jantar- falou baixinho e ainda olhando em meus olhos.

Ele sorriu.
Eu sorri.

- Não é como se houvesse um imenso cardápio para eu escolher. Hoje é terça feira, dia de torta.

- Então posso trazer a sua?- perguntou se posicionando corretamente de pé.

- E eu tenho outra escolha?

Ele revirou os olhos e saiu negando com a cabeça e um sorriso de canto nos lábios.
Após o jantar comecei um conflito interno sobre o quanto me molharia da porta do Rolles até o carro. O céu já escuro, parecia desmoronar lá fora, havia sido um dia inteiro de chuva, mas agora à noite ela havia subido de nível, era uma tempestade. Mas quanto antes chegasse em casa, melhor.
Recolhi minhas coisas sobre a mesa e antes de chegar na porta Pietro me parou.

- Não quer deixar seu carro aqui? Eu te levo no carro do Senhor Natan, parece ser uma chuva muito forte para você se meter naquela estrada de chão sozinha. Amanhã levo o carro para você.

- Muito obrigada, Pietro. Mas isso não é necessário, é apenas uma chuva, rapidinho chego em casa.

Sorri para ele que coçou a cabeça e me impediu de novo de sair. Dessa vez o olhei de forma repressiva.

Minha luz particularOnde histórias criam vida. Descubra agora