Capítulo 3

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Existe algo que devo desde cedo esclarecer. Se imaginam o Lourenço como o tradicional príncipe encantado, que faz tudo pela sua princesa, que sobe ao cimo de um muro e grita que a ama e que se apaixona perdidamente, "tirem o cavalinho da chuva" como se costuma dizer.

Todos sabiam que o Lourenço era um bom amigo mas um péssimo namorado, pelo menos essa era a fama que lhe atribuíam e ele aparentava viver bem com isso.

Era conhecido por ser mulherengo, por dizer coisas inapropiadas o tempo inteiro e por nunca ter tido uma relação que tivesse durado mais do que uma semana, pois nem sequer procurava assumir algo com quem quer que fosse.

Contudo, eu sentia-me atraída por ele e parecia difícil fugir a esse sentimento. Por muito que eu tentasse, a verdade é que me encantava a personalidade divertida dele, o seu sentido de humor e o ar sério que de vez em quando ele fazia que lhe dava uma certa maturidade e uma certa classe.

Mas eu sabia... Eu sabia que estava a viver um amor impossível, era claro que eu nunca iria perder o medo de confessar o que sentia por ele. É como se costuma dizer "Quem não arrisca, não pestica" e eu aprendi isso da pior maneira. É assim que a vida funciona o que não aprendemos por escolha, o destino acaba por nos ensinar.

Certo dia, um dia de chuva, tinhamos todos combinado ir para a casa da Matilde passar o dia. A hora combinada era 15 horas, no entanto como tinha de levar a Catarina, a minha irmã mais nova, a casa dos nossos avós para ela não ficar sozinha, demorei mais tempo do que o previsto.

Pela rua a Catarina, não se calava com as perguntas e por muito que a adore, ela por vezes conseguia ser muito incoveniente.

-Onde vais passar a tarde?- era já a terceira vez que fazia essa pergunta.

-Já te disse, vou para casa de uma amiga. - respondi impaciente.

-Amiga ou do namorado?- perguntou com um sorriso matreiro.

-Amiga. Vou para a casa da Matilde, tu já tiveste com ela e tudo. - disse revirando os olhos.

Parou e muito séria exclamou:

-Mentirosa! Vou dizer à avó para dizer à mãe que tu tens namorado!

Por favor, não seria mais fácil dar o recado diretamente à minha mãe? Aquela rapariga tinha tanto de dramática como de cómica.

Ia responder-lhe mas entretanto senti uma gota de chuva a cair-me na cabeça e a escorrer-me pela cara, que de imediato se mutiplicou. Agarrei na mão da Catarina e comecei a correr. Felizmente a casa dos meus avós era ao fundo da rua e a "princesa" chegou apenas com as pontas do cabelo loiro molhadas. Por outro lado, eu não tive tanta sorte.

Finalmente, cheguei e toquei à porta, a água escorria-me pela espinha abaixo e os meus pés estavam gelados.

A Matilde abriu a porta e encarou-me, de imediato puxou-me para dentro e disse-me que fosse tomar um banho e ofereceu-se para me emprestar roupa para eu me trocar. O Enzo também ainda não tinha chegado, por isso a sessão de cinema estava atrasada.

Subi as escadas e dirigi-me à casa de banho. Tirei a roupa e mandei-a para o roupeiro. Estava revoltada, enquanto entrava na banheira só pensava no facto de que eu tinha-me aperaltado toda na esperança que ele repara-se em mim e agora ele provavelmente nem vinha. Sentia-me idiota.

Acabei o banho e reparei que a Matilde ainda não me tinha trazido a roupa. Enrolei-me na toalha e abri a porta preparada para chamar por ela, mas não tive oportunidade. Mal abri a porta, nem queria acreditar, ali estavam os mesmos olhos que me encararam no jogo que antecedera o jantar do outro dia, novamente fixos mas desta vez com um ar espantado e um tanto preverso. O meu coração acelarou, a minha vontade era correr para os braços dele, passar a mão pela cabeça dele, pelo seu cabelo curto e perfeitamente cortado e descê-las até ao seu pescoço bronzeado e encostar os meus lábios aos dele.

Nada disso aconteceu, a vergonha falou mais alto, limitei-me a gritar pela Matilde para que me viesse trazer a roupa e fechei-lhe a porta na cara. Encostei-me de costas para a porta, tinha o coração a mil e a respiração inconstante, mais uma vez a face dele ficava gravada na minha mente e suspirava. Suspirava imaginando todos os fins alternativos que aquele inesperado encontro poderia ter tido, se eu apenas tivesse dado um passo em frente...

Cinco minutos depois, ele já tinha descido e a Matilde tinha chegado com a roupa. Olhei para a roupa e voltei de novo o olhar para a Matilde, ela tinha-me dado um top branco em renda e umas leggings de ganga de cinta subida. Era um conjunto lindo.

A Matilde como advinhando os meus pensamentos, sorriu e disse:

-Pensas que ainda não reparei a maneira como olhas para o Lourenço? Vinhas com uma roupa linda sem dúvida, mas ficou molhada da chuva, por isso eu tinha de te arranjar qualquer coisa que estivesse à altura do que trazias vestido. De nada. Ah! E não te preocupes, ninguém sabe que gostas dele, apenas eu desconfiava, mas isso é porque te conheço muito bem.

Assenti em gesto de agradecimento e voltei para a sala onde todos estavam reunidos. Tinha um lugar ao lado do Enzo, que a Matilde me tinha reservado, ela tinha pensado em tudo.

Quando me sentei, senti-me observada, voltei a cabeça e como era de esperar o Lourenço estava outra vez fixado em mim.

-Que foi?- perguntei tentando não mostrar o nervosismo.

Ele esboçou um sorriso.

-Eu pensei que já tinha visto tudo lá em cima mas parece que não.

Suspirei e fiz-me de difícil apesar de no fundo ter entendido que era um elogio, eu sabia que aquilo era algo que ele podia dizer a qualquer uma e portanto não me ia deixar iludir por aquele comentário, era necessário algo mais real para que eu tivesse a minima esperança.

A tarde decorreu normalmente, mais uma vez em tantas horas apenas havia tido um pequeno momento com ele e nada mais. Contudo foram as lembranças desses momentos que me fizeram corar o caminho todo que eu fiz até casa.

Silêncio FatalOnde histórias criam vida. Descubra agora