— Isis, acorde – falou Isadora, na manhã seguinte, sacudindo a menina por baixo dos cobertores – Está na hora de ir para a escola.
— Não está não. – ela resmungou
— Espertinha – apertou a bochecha dela
— Grrrrr – a menina grunhiu, empurrando a mão da mãe para longe – Por que é que você sempre faz isso?
— Você prefere que eu te acorde com beijos?
— Ai meu Deus, não! – a menina gritou
— Então é melhor você levantar antes que o Monstro dos Beijos me possua e comece a te atacar, mocinha!
E, dizendo isso, Isadora tirou o cobertor de cima de Isis, debruçando-se sobre ela, fazendo cosquinhas em sua barriga.
— Isadora, para! – a menina gritou, ficando de lado e se encolhendo para tentar se proteger.
— Oh, já estou sentindo o Monstro me dominando, vamos, Isis, só você pode me salvar.
— Você é tão ridícula! – Isis rolou os olhos
Isadora então encostou os lábios na bochecha da menina, dando-lhe um beijo bem babado, do jeito que sabia que a menina mais detestava. Então deu mais um, e mais um, e mais um e, antes do quinto, Isis já estava gritando histericamente tentando colocar os braços sobre seu rosto e se proteger.
— Urrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrg! – Isis grunhiu – Eu vou levantar! Já pode parar, ok?
— Só mais um, então.
— Não! – Isis deu um pulo da cama – O limite de beijos semanais já foi esgotado. Aliás, do mês inteiro.
— Isso é o que você pensa, mocinha. Afinal de contas – Isadora se levantou da cama – sou eu quem mando aqui.
Isis revirou os olhos.
— Cinco minutos para você vestir o uniforme novo e vir tomar café, Isis. Cinco minutos.
Isadora saiu e a menina jogou os braços para cima, olhando para o uniforme vermelho e branco na cadeira. Era um uniforme muito ridículo, como a maioria dos uniformes. A menina sabia bem porque tinha uma coleção deles escondido no fundo do armário de todas as escolas que foi expulsa – ou, como era a frase que mais escutava mesmo? Ah, sim: convidada a se retirar.
Não que a menina realmente tenha precisado de algum convite na vida pra se retirar das escolas.
— Isis Cecília! – Isadora gritou – Vou ter que ir aí te pegar pela orelha dessa vez?
— Já tô indo! Cruz credo, até parece que a escola vai sair correndo se eu me atrasar dois minutos!
A menina saiu da cama e se enfiou na calça vermelha, contendo o impulso de revirar os olhos. Então tirou a blusa de pijama e colocou a branca da escola. Sacudiu os ombros, a roupa toda torta, e pegou a blusa de frio jogada ao pé da cama. Então, por fim, enfiou os pés no tênis sem amarrar os cadarços.
— Pronto, viu? Não precisa gritar mais uma vez e acordar o prédio inteiro.
— Ah, que bom, não quero mesmo receber uma reclamação do síndico – Isadora se virou da pia sorrindo, mas o sorriso desmanchou vendo o estado da roupa da menina – Céus, Isis, olha só para você?
— Que foi? – a menina olhou para baixo, sacudindo os braços.
Isadora revirou os olhos, indo até ela e ajeitando a calça de moletom vermelha, toda torta no corpo, e esticando a blusa de uniforme. Então se abaixou para a amarrar os cadarços da filha.
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Feridas Profundas (HIATO)
General FictionESTE LIVRO PODE CONTER GATILHOS RELACIONADOS A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. Há algo de podre no reino da Dinamarca, escreveu Shakespeare no ato I de Hamlet. Já se passaram vários atos na vida de Isadora e, mesmo assim, tudo continuava apodrecendo ao seu r...