Foram oito horas de cirurgia. No final, Daniel não sabia se doía mais os braços, por ficarem tanto tempo esticados e fixos para movimentação perfeita, ou as pernas, por tantas horas em pé. Ele se arrastou para fora da cirurgia, o cansaço num nível que ele não achou que poderia chegar. Provavelmente porque havia bebido na noite anterior, acordara de ressaca e não havia tido uma manhã nada boa.
A exaustão mental conseguia ser pior do que a física.
Ele coçou o próprio olho, bocejando, enquanto caminhava a procura de Murilo.
— Como foi? – Murilo perguntou, assim que ele entrou na emergência.
— Consegui retirar todo coágulo – ele inclinou a cabeça – Então é possível que a recuperação dele seja muito boa.
— Certo – disse ele, lavando as mãos – Por aqui também acabou e você já pode ir.
Daniel assentiu, incapaz de pensar em qualquer coisa que pudesse ser dita.
— Você não tá de carro, não é? – Murilo perguntou, antes que ele saísse da sala.
— Não tenho carro.
E, sem esperar pela resposta do seu chefe, adiantou-se para a saída do hospital sem olhar para trás.
Era estranho como seus pés pareciam pesados. Como se, na verdade, ele estivesse num corpo muito maior do qual estava acostumado. Daniel só queria chegar em casa, tomar um banho e se deitar, esquecendo o que quer que tivesse que fazer pelas próximas vinte horas.
Ele rabiscou seu nome na folha de despensa, forçou um sorriso para a enfermeira e caminhou para fora do Hospital. O dia já havia virado noite, é claro, e o vento já estava forte o suficiente para despentear (ainda mais) seus cabelos quase dourados. Daniel empurrou a porta, ganhando a rua de Ponte Belo.
E foi aí que tudo aconteceu.
Ele não sabia dizer o que aconteceu, mas numa hora ele estava em pé, no meio da calçada, então um jornalista que estava fazendo plantão do lado de fora do Hospital lhe perguntou alguma coisa – alguma coisa sobre ser filho de quem ele era – e os dois estavam discutindo e, então, seu punho se fechou e acertou o jornalista. O jornalista foi para cima dele e os dois estavam no chão, rodeados por alguns poucos jornalistas, um pessoal que passava por ali na hora e alguns profissionais do hospital.
— Puta merda, Daniel! – uma voz de mulher falou, o puxando para o alto – Isso aqui é um hospital, seus idiotas! Não um ringue de boxe!
— Burguesinho da porra! – o jornalista cuspiu.
Mas Daniel já estava sendo carregado, de um jeito bem engraçado, por uma mulher muito mais baixa e magra do que ele. Ela o arrastava, a passos duros, pela calçada em direção ao estacionamento.
— Dios mio! – alguém disse, com uma voz afeminada, porém não feminina.
Daniel piscou os olhos verdes, um pouco zonzos, procurando de onde saiu a voz.
— Cruzes, tio!
— Ah! – ele finalmente compreendeu – Isadora.
— Eu mesma! O que é que te deu na cabeça?
— Não acredito que eu perdi uma briga – Isis disse – Poxa, tio, se você tivesse me chamado eu teria te ensinado a como não levar esse soco na cara. Porque isso aí vai ficar feio.
O cara ao lado dela riu, coçando os cabelos castanhos.
— Isis, agora não! E pare de dar moral para as coisas que essa garota fala, Ítalo!
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Feridas Profundas (HIATO)
General FictionESTE LIVRO PODE CONTER GATILHOS RELACIONADOS A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. Há algo de podre no reino da Dinamarca, escreveu Shakespeare no ato I de Hamlet. Já se passaram vários atos na vida de Isadora e, mesmo assim, tudo continuava apodrecendo ao seu r...