Isis Cecília tinha uma ruga entre a testa, que não fazia sentido na sua feição de criança. Pelo menos era isso que ela pensava, o que só fazia a ruga aumentar mais. Ela odiava se comportar como um adulto idiota. Mas era um pouco difícil quando ela achava que todos os adultos a sua volta eram da melhor espécie de idiotas do universo todinho.
Era difícil ser Isis Cecília.
Quando sua mãe bateu a porta da casa com a maior força que ela já havia visto, e chiou pelo caminho da sala, chutando dois móveis, depois soltando palavrões que, no geral, a mulher fingia não dizer, dado um berro consigo mesma e socado uma parede – tudo isso num intervalo de três segundos – Isis, do seu quarto, estava esperando uma enorme briga, berro, e um castigo interminável quando ela chegasse no seu quarto, onde a menina estava se escondendo.
Só que Isadora passou direto pelo quarto da menina, sem nem espichar o rosto para dentro, abriu a porta do quarto dela no fim do corredor num estrondo e bateu a porta com força.
Isis se encolheu na cama, abraçando seus joelhos, de medo. Ela nunca havia visto Isadora tão brava ou fora de si. Ficou com vontade de ir até o quarto dela perguntar se ela estava bem. Mas a menina odiava perguntas idiotas e, claramente, aquela era uma pergunta imbecil só por ter ouvido toda a reação insana de sua mãe pela casa.
Depois de dez minutos quase sem se mexer e convencida de que Isadora não iria até ela, para brigar, a garota pulou de sua cama e, pé ante pé, andou até o fim do corredor, onde era o quarto de Isadora. A porta estava fechada. Ela apenas colocou o ouvido sobre a madeira e arqueou a sobrancelha ao ouvir um barulho que era muito parecido com choro.
O barulho que Isis ouviu dentro de si foi bem parecido com algo se quebrando – ela só não sabia o que, mas era algo que ficava no coração.
— Isadora... – ela disse, a voz um pouco trêmula ainda por causa do medo – Tá tudo bem? – se ouviu perguntar;
— Agora não, Isis.
— Mas...
— Agora não! – Isadora disse, mais firme, fazendo a garota se encolher – Vai pro seu quarto dormir. Depois a gente conversa.
Isis obedeceu à mãe e rastejou até seu quarto, fez um bolinho com sua colcha com o símbolo de seu time e dormiu esperando por esse depois.
O problema é que esse depois não chegou no dia seguinte.
No dia seguinte, Isadora apenas lhe acordou para a escola e saiu para a cozinha, para fazer seu achocolatado. Não tocou em qualquer assunto, fazendo a menina ficar mais zonza do que o normal pela manhã. Isadora a levou para a escola em silêncio, não reclamou quando ela cantarolou várias músicas antigas no carro e nem questionou quando ela pulou para fora do automóvel sem dar tchau ou olhar para trás.
Quando a menina olhou para trás, o carro de Isadora já havia feito a curva e entrado na rua.
Isis não ficou sozinha naquela tarde, depois da aula. Laura a levou para a universidade, o que foi uma coisa muito chata até ela descobrir que a internet da sala da sua tia funcionava e ela podia jogar vários jogos on-lines. Ela esperou pela conversa no fim do dia, mas Isadora também não conversou.
Na verdade, Isadora estava tão silenciosa que a garota estava enlouquecendo.
No segundo dia sem que esse depois da conversa acontecesse, Isis estava muito preocupada, a ponto de sua testa ficar enrugada daquele jeito idiota e horroroso que todos os adultos faziam. A garota odiava aquilo. Não mais do que odiava saber que alguma coisa estava acontecendo e ela não estava sabendo o que era.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Feridas Profundas (HIATO)
General FictionESTE LIVRO PODE CONTER GATILHOS RELACIONADOS A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. Há algo de podre no reino da Dinamarca, escreveu Shakespeare no ato I de Hamlet. Já se passaram vários atos na vida de Isadora e, mesmo assim, tudo continuava apodrecendo ao seu r...