Capítulo 33 - Mentalmente Frágeis

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— Há diversas formas de dar essa notícia – Evandro disse, arqueando a sobrancelha – Mas como eu te conheço... – mexeu as mãos – vou simplificar numa só: você é completamente maluco!

Murilo encolheu os ombros, olhando para o quadro atrás de Evandro. Era um quadro bonito, ainda que Murilo se dividisse em dois sentimentos muito diferentes encarando. Era o quadro que ficava no quarto de seus pais. Se olhasse de perto, podia ainda ver os respingos de sangue nos cantos. Sangue da mãe de Murilo. Morta no seu quarto de tanto apanhar. Uma mente sã teria se livrado daquele quadro o mais rápido possível. Mas Murilo nunca pode mesmo ter se considerado como alguém mentalmente são.

Será que isso existia? Alguém sem nenhum problema, normal, padronizado, socialmente perfeito em sua maior particularidade?

— Cara, eu to falando sério – Evandro continuou – Mulher é problema. É problema na certa. Veja só tudo o que Maíra me causou! A gente devia morrer solteiro. Pagar umas putas, no máximo. Mas nunca, jamais, em hipótese alguma, nos envolver com elas.

— Realmente – Murilo fez uma careta – Não me espanta que Maíra te odeie.

— Ela não me odeia. Ela só... é despeitada. Não consegue aceitar que acabamos, então, para lidar melhor com isso, ela finge que me odeia. Mas eu te garanto... ela ainda sente falta do meu corpo.

— Com certeza – Murilo concordou, revirando os olhos – Mais fácil você uivar de volta para ela do que o contrário.

— Há-há. Só não vou te responder porque essa é a prova mais completa de que você pirou completamente! Você já falou com Karine? Ela vai adorar te analisar! Eu também ia adorar ser analisado por ela... mulher maravilhosa. Se ela não tivesse um filho meio...

— Evandro – a voz de Murilo era quase gélida – Por favor.

Murilo não era o exemplo de bom homem na face da Terra e sabia disso. Mas até para ele havia um certo limite moral sobre as coisas. Falar mal do filho da psicóloga do Hospital era uma delas. Não porque Murilo simpatizasse com o garoto – na verdade, ele nunca nem vira o adolescente – mas porque lhe parecia desumano criticar alguém por ter comportamentos diferentes do resto dos outros.

Desumano... palavra interessante, aquela.

— O que há com você, velhinho? – Evandro debochou – Isadora já o afetou a esse nível?

Murilo arqueou a sobrancelha pensando que Isadora nunca havia deixado de afeta-lo. Mas, diferente da reflexão de seu único amigo, não era para algo tão bom quanto aquilo. O afeto que Isadora lhe causava estava muito mais perto de torna-lo desumano do que humanizá-lo.

E mesmo assim...

Bem, mesmo assim ele estava dormindo com a mulher.

Não exatamente dormindo, porque eles não chegaram a passar uma noite juntas. A mulher tinha muitas desculpas para não dormir com ele, e não que ele achasse ruim: dormir com alguém era muito antifuncional, mesmo em uma cama de casal.

Certo, certo. Mesmo com tudo que ela causava nele, ainda assim ele estava transando com Isadora.

Ela era como uma droga, de um modo geral.

Talvez porque eles viveram momentos muito felizes, antes de tudo desandar, lá no começo da sua primeira tentativa. O cérebro dele deve ter associado o cheiro e a presença de Isadora à felicidade. E, mesmo depois que tudo começou a virar um inferno, ainda assim a ligação Isadora-Risos-Felicidade era forte demais para ser quebrada com socos.

Talvez... se ele tivesse usado uma faca...

Murilo suspirou, fechando os olhos.

Por muito tempo, ele acreditou que havia superado o vício. Mas ele devia saber... ele devia saber que não há como superar completamente uma dependência, depois de ter sido exposto por muito tempo às substâncias. Ele devia saber que o menor contato pós período de abstinência seria o suficiente para fazê-lo recair no poço que se esforçou muito para sair dele.

Feridas Profundas (HIATO)Onde histórias criam vida. Descubra agora