1 2 3, Michel

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Segunda - 4 de Julho de 2016

Marcos é um ajudante de pedreiro contratado por uma empresa de construção civil em São José dos Campos. Naquela manhã de segunda-feira, como de costume, se juntou a seus colegas para o desjejum assim que chegou na obra. O local era um grande conjunto habitacional que estava sendo levantado, um total de 32 blocos com 7 andares cada um, longe do centro da cidade. Um empreendimento feito exclusivamente para um programa habitacional da prefeitura que tinha como objetivo realocar moradores desalojados pelas mais diversas causas, incluindo os moradores do bairro ao lado que tiveram suas casas desapropriadas para a construção de uma estrada.

Aquilo tudo na televisão parecia mágica de verdade, casa pra quem não tem – Marcos via como Casas de baixa qualidade para quem tinha mas foi chutado – Segurança conforto e saneamento para muitos sem condição. Bastava você continuar votando no mesmo partido nas próximas eleições e torcer para que a milícia não tomasse seu apartamento depois de pronto para poder alugar ele para... você mesmo. A verdade sempre tinha aquele toque mais cruel de fundo na visão de Marcos.

Ele mesmo morava de aluguel. Viera do Norte do país com a esperança de emprego e estabilidade de vida, a espera de que sua renda pudesse ajudar a viver melhor sua mãezinha que ficará lá no Ceará onde a vida era difícil de verdade mas com uma simplicidade bem diferente da cidade grande. E Marcos não tinha do que reclamar, estava conseguindo realizar seu objetivo primário, ajudava sua mãe, tinha onde comer e dormir e ver novela na televisão, o verdadeiro sonho Brasileiro, e já fazia em suas anotações objetivos secundários como comprar uma moto para agilizar seu deslocamento para o trabalho – hoje ele já ia de bicicleta.

Tomara seu café junto aos companheiros, e antes das nove da manhã já foi encarregado de uma missão importante: Pegar um pouco de entulho no terreno ao lado para que esse fosse utilizado no nivelamento de um buraco que a chuva de final de semana fizera aparecer no meio da passagem entre dois dos prédios.

Pegou o carrinho de mão e se dirigiu para o local. Ali ao lado estava o entulho do terreno desapropriado pela estrada, seguiu pensando em como aquilo tudo era bizarro. Haviam tirado os cidadãos do local e a estrada estava longe de começar a ser iniciada. Mas ele gostava de ir ali, sempre atento ao que podia encontrar no meio do entulho. Já havia encontrado bolas de tênis, um rádio toca fitas que não tocava mais fitas e agora fazia a alegria do pessoal na hora do almoço. Havia encontrado também uma coleira que seu vira-latas aceitara muito bem e o melhor de tudo, uma coleção de LP's antigos com musicas internacionais. Ainda não havia comprado a vitrola para testar os discos mas sentia um valor nostálgico incomparável por aqueles objetos que lembravam de sua infância e seu pai ouvindo sertanejo, brigando com seus irmãos por terem arranhado seus discos.

Muita cosia foi jogada fora ali recentemente, um mármore quebrado de pia de cozinha, havia também lixo orgânico. O povo não respeitava nada mais mesmo. Uma tábua de passar sem as pernas, um abajur quebrado uma caixa de papelão que estava cheia de lâmpadas fosforescentes quebradas, um velho guarda-roupas mofado sem a maioria das portas, a madeira esfarelando nos cantos, uma roda de bicicleta que foi dobrada no formato do símbolo do infinito, e enfim o que ele viera buscar, entulho.

Pedra, pedaços de tijolos ainda com argamassa colado entre eles, pedaços de concreto quebrado e algo que ele não fazia questão de separar do entulho, garrafas pet. Ao som de um trator no fundo, Marcos começou a encher seu carrinho de mão, o sol estava quente e ele pensava em como estaria dali a algumas horas quando o sol estivesse a pino, quando PUM!...

Parou com sua pá por um momento após aquele som. Olhou em volta e nem um cachorro velho por perto havia, ouvia ainda o barulho das maquinas na obra do outro lado, no que dali a alguns anos seria um estrada nova. Mal colocou duas pás no carrinho quando ouviu mas duas batidas e um gemido baixo.

Cravou a pá no chão e subiu uma pequena elevação de entulhos olhando ao redor. O som se repetiu umas duas vezes, o suficiente para Marcos localizar o remetente. As pancadas vinham do guarda-roupas velho, as duas portas do lado esquerdo que ainda estavam inteiras apesar de tortas. Uma delas até pulou com uma das batidas.

Mas que diabos estava acontecendo ali? Caminhou até as portas com a curiosidade sobrepujando qualquer medo. Não importava se fosse um cachorro louco que estivesse lá, Marcos nem pensou em nada, nem uma cobra venenosa passou pela sua cabeça, quis apenas abrir as portas e descobrir o que era e quando o fez, com a porta da esquerda escapando completamente das enferrujadas dobradiças internas e caindo e a porta direita se dobrado 180 graus pela quina do guarda roupas para revelar o conteúdo assustador que aquele velho móvel guardava, Marcos quase caiu para trás tão mole e desgarrado de si quando as próprias portas do guarda roupas.

Ali dentro, estava encolhido sobre si mesmo, umhomem todo barbado e cabeludo, nu, branco como um peito de frango congelado.Ele possuía diversas marcas no corpo e algumas unhas faltavam em suas mãos queagarravam os braços opostos apertando extremamente com força. Sem dentes, ohomem chorava como uma criança.

Onde dorme a escuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora