Segunda - 11 de Julho de 2016 - Noite
Na Zona Oeste da cidade, em um condomínio de luxo, o aposentado Delegado de policia Rodrigues Faria começava o seu ritual diário para deitar.
Deitar era seu objetivo e nem pensava mais em dormir. Dormir havia sido fácil um dia, antes de fazer 70 ao menos.. Não se lembrava na verdade de quando foi a ultima vez que havia dormido uma noite inteira que não a noite passada. Mas não levava esperanças nisso. Iria se deitar como de costume e se o sono dos Deuses o abençoasse mais uma vez seria grato. Mas a vida o ensinara a não criar expectativas.
Estava sozinho por quase nove anos. Nove anos sem sua Georgina. Seus filhos ingratos nem faziam questão de ligar. Os filhos que criara, educara com suor de seu trabalho. Seu único parente vivo, um irmão, morava fora do país e também não dava noticias desde o falecimento de Georgina. Estava velho agora, velho e sozinho. O mais assustador não era perceber a vista cansada, as mãos, antes ágeis, tremulas. O mais assustador não era perceber a dificuldade crescente para se levantar do sofá. Para Rodrigues o mais assustador não era nem a perda familiar. Que o diabo carregue a todos – pensava. O assustador era não ter ninguém para se submeter a ele, ninguém para ordenar, ninguém para bater.
E assim toda noite, desligava a televisão, tomava uma xícara de chá, colocava o cachorro pra fora, deitava-se na cama e esperava a vida retribuir todas as surras que já havia dado: Em suspeitos, criminosos ou não, em seus filhos, em suas esposas – se casara três vezes. E a vida fazia isso lhe tirando o sono.
Mais cedo naquele dia fatídico, um detetive havia quebrado o silencio em sua casa fazendo contato por telefone. Não se dera o trabalho de anotar o nome, estava fora da policia a anos e já não tinha mais medo de que algum marginal o procurasse por vingança, não tinha interesse em investigar a vida do cara. O detetive o questionou sobre o caso de um menino desaparecido a anos, Michel Hudson.
O seu vira-latas o encarava enquanto ele falava ao telefone, ansioso para receber seu petisco.
_Alô! Aham! Sei! Quem? Sim! Michel? Quem quer saber? Faz Muito tempo isso. Quantos anos? Não. Não me lembro. Não posso te ajudar. Tenho que desligar.
Michel. O nome ficou martelando a cabeça de Rodrigues.
Logo hoje, logo após sua noite mais confortável em anos.
Sabia que não dormiria novamente naquela noite. Mesmo assim deitou-se aguardando os angustiantes pensamentos de morte que lhe acometiam, mas eles não vieram. Os Hudson estavam em sua mente, por toda a parte. Michel! O menino que desapareceu e ele não pôde encontrar.
Ali começou a latir lá fora.
_Ali! – gritou o velho.
O cachorro sem raça ganhara o nome em homenagem ao pugilista Muhammad Ali, o único ídolo de Rodrigues. Gritou mais uma vez e o cachorro fez um grunhido estranho e se calou.
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Onde dorme a escuridão
Mystery / ThrillerVinte anos depois de desaparecer misteriosamente dentro de um guarda roupas, Michel é encontrado vivo. Junto com ele uma misteriosa sequencia numérica parece fazer paralelo com bizarros assassinatos. O caso pode ser a chave para que Alan, um detet...