Me olho no espelho sentindo o familiar incômodo que me persegue a anos. Coxas largas, abdômen grande e flácido, o rosto redondo e marcado pela palidez que sempre tenho após uma rotina de despejar as calorias que ingeri no vaso sanitário.
- Estou uma merda. - suspirei em voz alta.
E realmente é assim que eu me sinto, uma merda.
Hoje faz exatamente duas semanas que voltei da maldita clínica de reabilitação que meu pai e meu irmão me internaram a força, passei seis meses naquele inferno onde me obrigaram a destruir todo trabalho que tive para chegar aos meus sonhados 45 quilos.
- Eu estava tão perto. - resmungo para mim mesma.
Eu estava com 47 quilos quando me trancaram naquele lugar, tão perto da minha meta, e agora estou aqui, 13 quilos a mais e me sentindo uma porca. Todo trabalho duro que tive escorreu por entre meus dedos.
Quase chorando me dirijo ao armário do meu quarto no apartamento do meu irmão, eu estou ficando com ele desde que voltei da clínica, meu pai está viajando a trabalho e ficar em casa com minha mãe não é uma opção, não no momento. Eu já estou me sentindo mal o suficiente para ter que lidar com as críticas dela ao meu peso excessivo.
Puxo do cabide uma camisa branca larga e uma calça de moletom, do novo guarda roupa, que meu pai e meu irmão providenciaram para o meu novo peso e deslizei por meu corpo. Vestindo a roupa larga e confortável me jogo na cama e me enfio embaixo das cobertas, é mais um dia de domingo chuvoso em Londres e meu irmão está de plantão no hospital central. Bryan é médico, cirurgião pediátrico, o prodígio da família e o queridinho da mamãe. Com apenas 28 anos ele já tem um currículo de dar inveja a muitos veteranos, um orgulho para minha mãe soberba e egocêntrica, o menino de ouro dela, o troféu que ela coloca em exposição para as amigas babarem. Enquanto isso sobra para mim ser a filha caçula problemática.
Eu não posso dizer que ninguém se importa comigo, meu pai me ama, do jeito dele mas ama. Meu irmão que sempre foi meu alicerce, meu melhor amigo, ele cuida de mim, sempre me tratou como a princesinha dele, a irmã caçula que ele se sente responsável, Bryan tinha 7 anos quando eu nasci de uma gravidez indesejada da minha mãe, graças a uma falha no contraceptivo, devido ao uso de antibióticos. Dona Lilian não pretendia ter mais filhos e eu fui o calo no sapato da sua carreira como nutricionista, ela estava no último ano de faculdade quando engravidou de mim e teve que interromper todos seus planos para cuidar de uma filha que ela nem mesmo queria.
Um nó se forma em minha garganta ao lembrar de todas as brigas que tive com minha mãe e de como ela foi contra minha internação, alegando tudo isso era frescura e que eu só estava querendo chamar atenção. Mas se eu pensar bem, independente dos motivos, essa foi uma das poucas vezes que ela ficou do meu lado. Eu não queria ser internada. Quais os motivos para isso? Querer ficar de bem com meu corpo?
Bufo irritada com o pensamento.
Ainda lembro de cada momento que passei dentro daquele inferno de clínica.
Eu estava tão irritada quando meu pai e Bryan literalmente me arrastaram para aquele lugar, jurando que era para o meu bem. Eles ignoraram todos os meus protestos e simplesmente me largaram lá, sozinha. Bryan me visitava nas folgas de seus plantões e sempre que ele conseguia algum tempo. Meu pai foi me ver nos intervalos de suas viagens e minha mãe foi uma única vez, apenas para me lembrar o que ela achava de tudo aquilo.
O lugar era lindo, eu tinha que admitir, havia muita área verde, toda uma horta onde se plantava variados tipos de legumes e verduras, árvores com variedades de frutas e um lindo lago com famílias de patos nadando livremente. A idéia era de um lugar relaxante, próximo a natureza, mas estando lá tudo que eu não me sentia era relaxada.
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Como não te amar
RomanceAos 21 anos e depois de passar pelo que ela classificava como o "período mais infernal da sua vida", a jovem britânica Allanah Price estava feliz por ter sua "liberdade" de volta. Tendo terminado um namoro de 4 anos e recém saída de uma clínica de r...