Seguimos de volta para nossas casas, haviam três famílias que tinham filhos jovens da minha idade, e outra com um filho um pouco mais novo, totalizando quatro recrutados, mas haviam dois que não estavam muito bem de saúde, ambos da minha idade. Eu não sei o que aconteceria com eles, pois me disseram que eles eram rigorosos na hora da escolha.
Meu pai ficou perto de mim o tempo todo, e eu pude perceber sua preocupação e alivio, ele não queria que eu fosse, mas sabia que era a única salvação que eu teria, eu não me importaria de ficar com ele, mas ele me disse uma vez que seria uma forma de manter nossa família viva e ter sempre alguém para carregar nossa esperança.
Eu não queria morrer, quem nunca teve medo da morte? Mas deixar meu pai sozinho, me doía muito no peito. Ele me puxou pelo braço e me levou até a cozinha, nos sentamos na mesa e ele tirou do bolso uma foto colorida, um pouco degastada e rasgada nas bordas. Eram nós três, eu, ele e mamãe.
– Eu não quero que você pense que está me deixando sozinho, e muito menos pensando que estará sozinho, porque não é verdade. – ele disse, já com os olhos marejados de lágrimas. – Ela sempre estará nos vigiando, não importa onde, não importa distância, ela estará aqui comigo e contigo!
Eu não sabia o que dizer, minha garganta estava completamente fechada por um nó difícil de desatar. Mas depois de um minuto inteiro ouvindo o murmúrios e lamentos que vinham de fora, eu consegui dizer alguma coisa.
– Eu não quero te deixar aqui, queria que eles te deixassem ir comigo. Não sei o que vou ter que passar lá sozinho, não vou ter você para me apoiar e nem estarei aqui para te amparar.
– Não se preocupe com isso, meu filho. – ele disse, passando a mão em minha cabeça, e depois enxugando meu rosto encharcado de lágrimas.
Por que é que tem que ser tão triste? Por que é que isso tinha que acontecer? Eram as perguntas que sempre estiveram me perseguindo, e agora estavam mais uma vez me torturando, e eu, como sempre, não tinha resposta alguma para elas.
Enquanto estávamos abraçados, alguém bateu à porta, e mesmo assim ele não me soltou, e me abraçou com mais força ainda. Então ele pegou uma mochila velha que tinham algumas roupas minhas, e no meu bolso ele colocou a foto dobrada ao meio.
– Não se esqueça da sua verdadeira casa, nem de quem você é! – ele me pediu.
Eu mais uma vez não pude responde-lo, apenas assenti com a cabeça.
Mais uma batida na porta, e meu pai atendeu.
Era um dos homens que estavam armados e usavam uma roupa completa, não sei como não sentiam calor com o capacete, e a blusa de manga longa e calças de pano grosso e botinas, a única coisa à vista era seu pescoço.
– Ele está pronto para o primeiro teste? – perguntou o homem, com uma voz abafada por causa do capacete.
– E... Entre. – disse meu pai.
Eu me aproximei dele, e ele tirou algo da cintura, era uma daquelas máquinas que pareciam leitores de códigos de barra.
– Aproxime-se mais, e abra bem os olhos! – ele disse, num tom mais rude.
Eu abri meus olhos o máximo que pude, e ele aproximou aquela coisa dos meus olhos e uma luz vermelha me fez fechar meus olhos, eles começaram a arder um pouco, mas ele insistiu que eu ficasse de olhos abertos por mais uns segundos, e mesmo com eles ardendo e lacrimejando, eu obedeci.
– Filho! – meu pai exclamou.
Senti duas gotas caírem na minha mão, mas só quando o homem terminou que percebi que era sangue.
Eu passei a mão no rosto e elas ficaram manchadas de sangue, eu fiquei com medo, pensei que perderia a visão, mas não aconteceu nada, mas meus olhos continuaram ardendo um pouco.
– Pode ir lavar seu rosto e as mãos. – disse o homem, num tom seco.
Eu fui, e quando voltei, peguei minha mochila na mesa e coloquei nas costas.
– Estou pronto. – falei. – Podemos ir.
Ele não respondeu nada, estava lendo alguma coisa numa espécie de tablete transparente. Uns minutos se passaram quando ele guardou o aparelho, e voltou a olhar para mim.
– Não, não vamos! – ele respondeu. – Você possui uma doença chamada de Glaucoma, então quando estiver mais velho, não irá mais enxergar. Portanto, sinto muito, você fica!
...
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A Arca
Ciencia FicciónDepois de muitas guerras e eventos causadores de uma cadeia de desastres naturais, o mundo está à beira de sua extinção total. Restam menos da metade da civilização, agrupados em comunidades sustentáveis para tentar sobreviver ao caos. Para...