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Eu e meu pai saímos da casa, eu com minha mochila nas costas e ele usando o uniforme daquele homem. O sangue não sujou muito a roupa, e como era escura, não dava para perceber muito, a não ser que chegassem perto demais. Ele foi andando atrás de mim como se conduzisse um escolhido, e então fomos para onde os outros estavam, em frente à aeronave.

A única escolhida de verdade era Peni, a criança de oito anos. Ele estava soluçando baixo, e pude enxergar a marca que as lágrimas deixaram ao escorrer pelo seu rosto, provavelmente na hora da despedida. Eu voltei meu olhar para trás, e vi todos chorando, inclusive as famílias dos outros dois jovens, que com certeza queriam muito salvar a vida dos filhos, mas que por algum tipo de doença não foram escolhidos.

Eu comecei a me sentir mal, me culpando por não estar fazendo a coisa certa, e achei injusto da minha parte, mas não podia fazer nada, ou acabaria entregando meu pai, e ele sofreria as consequências.

Os três homens de jaleco subiram, enquanto meu pai ficou comigo, já que o outro homem ficou com Peni, como ele e meu pai estavam vestidos iguais, deviam ter as mesmas ordens, pelo menos foi o que deduzimos e estávamos rezando para que estivéssemos certos, não queria chamar qualquer atenção que fosse para meu pai.

Levaram alguns minutos até alguma coisa acontecer, ficamos esperando, com os olhos fixados na aeronave até virmos aquela mesma mulher sair novamente. Ela desceu e se aproximou de nós. Desta vez eu já estava mais preparado para olhar de volta para aquele olhar penetrante dela. Peni estava de cabeça baixa e ainda soluçava um pouco quando a mulher foi até ela, se agachou e se colocou de joelhos, na altura dela, e pegou no queixo de Peni, levantando sua cabeça para que pudesse olhar nos olhos dela.

– Não se preocupe, docinho. – ela disse, com uma voz suave e com um sorriso no rosto. – Você vai ficar bem, acredite em mim, você devia estar feliz, irá para um lugar melhor!

Peni não disse nada, não teve expressão alguma em seu rostinho, ela continuou séria, mas agora não soluçava mais.

A mulher levantou-se e limpou a calça batendo a terra com as mãos e veio para o meu lado. Ela pegou no meu queixo, como havia feito com Peni, e me olhou como se estivesse me avaliando.

– Interessante. – ela disse, com um olhar cerrado, e fazendo um biquinho no canto da boca, e me soltou.

Ela olhou para o meu pai, e percebi que ele estava com a mão no meu ombro.

– Não precisa segurar o garoto, acredito que não há razões para ele querer escapar correndo, não é mesmo? – ela disse, olhando com um meio sorriso para mim.

Eu não respondi, nem fiz sinal algum, apenas continuei olhando para frente.

A presidente então foi para frente dos que ficariam para trás, e disse:

– Aqui estão os escolhidos, espero que todos entendam que é não podemos levar todos, infelizmente. Hoje eles estarão carregando além de suas mochilas, um fardo pesado, que é o de recuperar o que perdemos, e eles representaram cada um de vocês, e os manterão vivos para sempre!

O discurso durou pouco, pois logo as manifestações de indignação por não levarem os outros dois jovens começaram.

– Por favor, leve os meninos, eles vão se curar logo, eles não podem ficar aqui! – disse a voz de uma senhora.

– Não adianta, eles só pensam neles mesmos, deveriam morrer! – praguejou um senhor.

– Eu nunca ouvi tanta merda em toda minha vida! – disse outro senhor.

A presidente Yana, como disse que se chamava, voltou para trás e tive outra vez sua visão.

– Eu sinto muito! – Ela disse, de cabeça baixa. – Vocês dois, venham comigo! – ela nos apontou, e Peni e eu tivemos que segui-la.

Olhei para trás para ver meu pai, que continuou parado no mesmo lugar, ao lado do outro homem armado.

– Podem acabar com o sofrimento destes aí! – ela disse, enquanto pegava Peni pelo braço e seguia para dentro da aeronave, e fui logo atrás dela.

Na hora eu não sabia o que ela estava tentando dizer, mas quando olhei para trás outra vez, vi o outro homem pegar a arma e apontar para os sobreviventes. Meu pai sacou a arma da cintura, mas ele não conseguiu fazer nada.

O homem começou a atirar, e matou um por um. Eu tentei voltar, estava indignado com aquela cena, eu sabia que não poderia fazer nada, mas meu pai correu até mim e me segurou.

– É tarde demais, filho! – ele disse. Percebi sua voz tremula, e soube que ele estava chorando pelos assassinados.

Ele me levou para dentro da aeronave enquanto o outro homem voltava como se nada tivesse acontecido.


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