Os saqueadores.....

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Naquela tarde, Angélica tinha resolvido ir apanhar caranguejos com o pastor Nicolau.

Galopara, sem aviso prévio, para a cabana dos Merlot, pais de Nicolau. A aldeola em que habitavam, de três ou quatro casebres, estava situada na orla da grande floresta de Nieul. As terras que cultivavam pertenciam, contudo, ao barão de Sancé.

Reconhecendo a filha do amo, a camponesa levantou a tampa do caldeirão sobre o fogo e pôs na sopa um pedaço de toucinho para melhorar seu sabor.

Angélica pôs sobre a mesa uma ave a que acabara de torcer o pescoço no pátio do castelo. Não era a primeira vez que se fazia convidar assim em casa de um ou outro camponês, e nunca deixava de oferecer um presentinho, pois os castelões eram quase os únicos que possuíam, na região, pombal e galinheiro por direito senhorial.

O homem sentado perto do fogão comia pão preto. Francina, a filha mais velha, aproximou-se de Angélica e beijou-a. Tinha dois anos a mais que ela, mas, encarregada, havia muito, de cuidar dos menores e de trabalhar no campo, não podia ir pescar caranguejos nem buscar cogumelos, como seu vagabundo irmão Nicolau. Era amável e polida, tinha belas faces rosadas e frescas, e a senhora de Sancé desejava recebê-la como aia em substituição a Nanette, que a desconcertava com sua insolência.

Depois de comerem, Nicolau levou Angélica.

_ Vem ao estábulo; vamos buscar a lanterna.

Saíram. A noite estava muito escura por que a tempestade ameaçava ainda. Angélica recordou mais tarde que tinha virado o rosto em direção à estrada romana que passava a meia légua dali e que lhe parecera ouvir um vago rumor.

O bosque estava ainda mais escuro.

_Não tenhas medo dos lobos _disse Nicolau. _ No verão não vem até aqui.

_Não tenho medo.

Chegaram logo ao regato e colocaram os cestos com uma isca de toucinho no fundo da água. Puxavam-nos de quando em quando, escorrendo água e carregados de caranguejos azuis, que a luz havia atraído, e os despejavam numa cesta que tinham trazido para esse fim. Angélica não podia pensar que os guardas do Castelo do Plessis poderiam surpreendê-los e que se armaria um escândalo ao descobrir-se que uma das filhas do barão de Sancé andava pescando furtivamente à noite com um valdevinos.

De repente ela se levantou, e Nicolau fez o mesmo.

_Não ouviste nada?

_Ouvi. Gritaram.

Os dois jovens ficaram imóveis um instante e depois voltaram a seus cestos. Mas estavam preocupados e logo tornaram a abandonar a pescaria.

_Desta vez ouço bem. Gritaram lá embaixo.

_É do lado da aldeia.

Rapidamente Nicolau recolheu os apetrechos de pesca e pôs a cesta às costas. Angélica pegou a lanterna. Voltaram caminhando sem ruído por uma trilha coberta de musgo. Quando se aproximavam da beira do bosque imobilizaram-se subitamente. Um clarão vermelho penetrava por entre as árvores e iluminava os troncos.

_Não é... que está amanhecendo? _ murmurou Angélica.

_Não é fogo!

_Meu Deus! Vamos ver se não é a tua casa que se está incendiando. Vamos depressa!

Mas ele a deteve.

_Espera! Gritam demais para um incêndio. Deve ser outra coisa.

Avançaram devagarinho até as primeiras árvores. Adiante, um grande prado em declive descia até a primeira casa, que era a dos Merlot, e quinhentas varas mais longe agrupavam-se, à beira do caminho, as outras três casinhas. Uma delas era a que ardia. As chamas que saiam da cobertura iluminavam uma multidão movimentada de homens que gritavam e corriam, entrava nas cabanas e delas saiam carregados de presuntos ou puxando vacas e asnos. Vinham da estrada romana e corriam pela ruazinha vazia, como um rio caudaloso e negro. A onda eriçada de paus e lanças passou por cima da granja dos Merlot, submergiu-a e continuou em direção de Monteloup. Nicolau ouviu sua mãe gritar. Soou um tiro de arma de fogo. Era o pai Merlot, que tivera tempo de despendurar seu velho mosquete e carregá-lo. Mas pouco depois o arrastaram até o quintal, como um saco, e o mataram a pauladas.

Angélica - Marquesa Dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora