Estranho oferecimento ao pai de Angélica

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Aquele dia outonal estava claro, e a floresta muito próxima, ainda não despojada de suas folhas, estendia para o céu azul suas ramagens cor de ferrugem.

Ao passar em frente à grade do Castelo do Plessis-Bellière, Angélica curvou-se, procurando enxergar, no fim da aleia de castanheiros, a branca visão do encantador edifício que se refletia no lago como uma nuvem de sonho. Tudo estava em silêncio, e o castelo, em estilo renascentista, que os donos haviam abandonado para morar na corte, parecia dormir no mistério de seu parque e de seus jardins. As cervas do bosque de Nieul, que lhe ficava próximo, pastavam nas alamedas desertas.

A habitação do administrador Molines ficava meia légua além, em uma das entradas do parque. Belo pavilhão de tijolos vermelhos, coberto de ardósia azul, parecia, em sua solidez burguesa, o guardião prudente de uma construção leve, cuja graça italiana continuava assombrando os habitantes da região, acostumados aos castelos medievais.

O administrador era a imagem viva de sua casa. Austero e ricaço, cônscio de seus direitos e de seu papel, era quem de fato parecia o proprietário daquele vasto domínio do Plessis, cujo dono estava perpetuamente fora. Uma ou outra vez, no outono para as caçadas ou na primavera para colher os lírios-do-vale, uma nuvem de senhores e senhoras descia sobre o Plessis, com seus coches, seus cavalos, seus lebréus e seus músicos. Durante alguns dias havia série de festas e diversões que enlouqueciam um pouco os fidalgotes da vizinhança, convidados para alvo de zombarias. Depois, toda aquela gente regressava a Paris e a mansão recaía em seu silêncio, sob a égide do severo intendente.

Ao ruído dos cascos do cavalo, Molines avançou pelo pátio de sua casa e inclinou-se várias vezes com uma flexibilidade que não lhe exigia esforço, pois fazia parte de suas funções. Angélica, que sabia como era duro e arrogante aquele homem, não apreciava aquela excessiva cortesia, mas o barão Armando não disfarçava o seu contentamento.

_ Esta manhã tinha tempo de sobra e não achei conveniente fazer-vos esperar, senhor Molines.

_ Agradeço-vos, senhor barão. Receava que vos tivesse parecido descortês o convite por intermédio de um criado.

_ Não me ofendi. Sei que evitais vir a minha residência por causa de meu pai, que insiste em considerar-vos um perigoso huguenote.

_ O senhor barão tem o espírito muito arguto. Realmente, não queria causar desgostos ao senhor de Ridoué nem a senhora baronesa, que é muito devota. Prefiro, pois, falar-vos em minha casa e espero que me deis a honra de partilhar de nossa mesa, bem como vossa filhinha.

_ Já não sou uma criança _ disse Angélica com vivacidade. _ Tenho dez anos e meio, e em nossa casa vieram depois de mim Madelon, Dionísio, Maria Inês, Alberto e o bebê que acaba de nascer.

_ Peço à senhorita Angélica que me desculpe. Ser a mais velha exige, com efeito, juízo e maturidade de espírito. Muito feliz eu seria se minha pequena Berta vos frequentasse, porque, ai de mim! as religiosas de seu convento me afirmam que é uma cabeça de avelã, donde não sairá grande coisa.

_ Exagerais, senhor Molines _ protestou cortesmente o barão Armando.

"Desta vez sou da mesma opinião de Molines", pensou Angélica, que detestava a filha do intendente, pequena trigueira e sonsa.

Em relação ao intendente, seus sentimentos eram mais indecisos. Embora o achasse desagradável, sentia por ele certa admiração, baseada sem dúvida no aspecto confortável de sua pessoa e de sua casa. As roupas do intendente, sempre escuras, eram de belo pano, e davam-nas ou vendiam-nas antes que nelas se percebesse o menor sinal de desgaste. Usava sapatos com fivela e tacão bastante alto, segundo a nova moda.

Angélica - Marquesa Dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora