O claustro dos monges dissolutos. Singular conclusão do negócio dos muares.

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A morte do avô, a partida de Josselino e aquelas palavras que lhe havia dito: "Vai tu também!" transtornaram Angélica profundamente, numa idade em que uma natureza hipersensível se predispõe a todas as extravagâncias.

Foi assim que, nos primeiros dias do verão, Angélica de Sancé de Monteloup partiu para as Américas com um grupo de rapazes camponeses que havia recrutado e entusiasmado com seus projetos aventurosos. Disso se falou durante muito tempo na região, e muitas pessoas viram no acontecimento mais uma prova de que ela pertencia à família das fadas. Para dizer a verdade, a expedição não foi além da floresta de Nieul. Angélica voltou à razãoao cair da tarde, quando o sol projetava suas grandes pinceladas de luz vermelha por entre enormes troncos de selva centenária. Havia vivido uns tantos dias em plena febre. Via-se chegando a La Rochelle, oferecendo-se como grumete aos navios pestes a zarpar, desembarcando em terras desconhecidas onde seres amáveis a acolheriam com as mãos carregadas de uvas. Seduziu facilmente Nicolau. "Marinheiro. . . isto é muito melhor do que guardar as bestas. Sempre desejei correr o mundo." Outros valdevinos, a quem agradava mais vaguear pelos bosques do que trabalhar no campo, suplicaram que os levassem e Dionísio também, naturalmente. Eram oito ao todo. E Angélica, a única moça, era o chefe. Cheios de confiança nela, inquietaram-se apenas quando a noite começou a invadir a mata. Com flores nas mãos e o nariz lambuzado de amoras, acharam esta primeira parte da expedição extremamente agradável. Andaram desde o amanhecer e fizeram alto por volta do meio-dia, perto de um riacho, para devorar as provisões de castanhas e pão de rala. Em dado momento Angélica teve um calafrio e de repente a consciência de sua necessidade a invadiu com tal lucidez que ela sentiu a boca seca. "Não podemos passar a noite na floresta", pensou. "Aqui há lobos."

¬ Nicolau ¬ disse em voz alta ¬, não te parece estranho que ainda não tenhamos chegado à aldeia de Naillé?

O rapaz começou a intranquilizar-se.

¬ Parece-me que nos perdemos. Quando fui com meu falecido pai, tenho a impressão que não andamos tanto tempo.

Angélica sentiu que uma mãozinha suja deslizava na sua. Era a do expedicionário mais novo, que tinha seis anos.

¬ Já começa a anoitecer ¬ gemeu ele. ¬ Creio que estamos perdidos.

¬ Pode ser que já estejamos muito perto ¬ tranquilizou-o Angélica. ¬ Continuemos caminhando.

Voltaram a empreender a marcha em silêncio. Por entre a ramagem o céu empalidecia.

¬ Se não chegarmos à aldeia até a noite, não há motivos para nos assustarmos ¬ disse Angélica. ¬ Subiremos às árvores para dormir. Assim não seremos vistos pelos lobos.

Mas embora aparentasse tranquilidade, sentia-se angustiada. Subitamente chegou até eles o som argênteo de um sino e a menina deu um suspiro de alívio.

¬ Ali está a aldeia, onde estão tocando o ângelus ¬ exclamou.

Puseram-se a correr. O caminho começava a descer, as árvores espaçavam-se. Encontraram-se de repente na orla do bosque e detiveram-se encantados. No fundo de um pequeno vale verdejante, ali estava, maravilha silenciosa no seio da floresta, a abadia de Nieul. O sol poente dourava seus numerosos telhados cor-de-rosa, seus pináculos, suas paredes pálidas semeadas de trapeiras, seus claustros, seus grandes pátios desertos. Soava o sino. Um monge carregado de baldes dirigia-se para o poço. Emudecidos pela emoção religiosa, os meninos aproximaram-se do pórtico principal. A porta de madeira estava entreaberta. Entraram. Um velho monge, vestido de batina escura, estava sentado em um banco e havia adormecido. Os cabelos brancos formavam-lhe uma pequena coroa de neve cuidadosamente arrumada sobre o crânio desnudo. Nervosos pelas emoções diversas que acabavam de experimentar, os pequenos tunantes olharam-no e puseram-se a rir, o que atraiu um frade gordo e jovial à soleira de uma porta.

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⏰ Última atualização: Mar 24, 2018 ⏰

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Angélica - Marquesa Dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora