6. Abismo Sem Fim

47 4 3
                                    

*Esse é um capítulo flashback para explicar o final do capítulo anterior*

Por Ricky Valentim

O dia amanheceu cinzento e frio, como o meu humor. Hoje fazia mais um ano. Mais um ano sem ela. Mais um ano de merda. Nenhuma data comemorativa me importava mais. Nem o Natal ou o Ano Novo. Só existia aquela data para mim: 13 de Novembro.

O dia em que o meu mundo virou de cabeça para baixo.

Saio da janela, de onde eu verificava o tempo, e observo ao redor do meu quarto. Meu violão favorito - Shirley - estava jogado em um canto, empoeirado e desafinado, minhas roupas espalhadas pelo chão - a maioria suja-, haviam restos de comidas e garrafas de cervejas por todos os lados. O único lugar do cômodo que a perfeitamente organizado era a minha pratilheira de remédios.

Aos olhos de qualquer outra pessoa - como minha mãe e meus irmãos - parecia que o meu quarto era uma zona de guerra, mas para mim, era naquela bagunça que eu me encontrava.

Analiso o meu reflexo no grande espelho, atrás da porta, o terno preto caro e bem passado, contrastando com os meus cabelos e barba compridos. Ela odiaria me ver assim. Ela odiava me ver barbudo.

Passo as mãos pela barba áspera e longa, me lembrando da última vez que eu deixei a barba crescer só para irritá-la, um mês antes de tudo acontecer. Eu acordei no meio da noite com o rosto cheio de creme para barbear e apenas com a metade da barba. Sorrio lembrando dela com o aparelho de barbear nas mãos.

Bons tempos foram aqueles. Pena que jamais voltarão. Desvio os meus olhos do espelho, não podendo suportar as lembranças e pego o pequeno boquê se rosas amarelas que estava em cima da cama, saio do quarto batendo a porta atrás de mim.

🌹🌹🌹🌹🌹🌹🌹🌹🌹🌹

Esse ano, como os dois anteriores, foi muito difícil de sair de casa. Minha irmã deveria estar ocupada com o novo negócio dela, já meu irmão mais novo devia estar jogado na sua cama dormindo. Aquele lá não tinha mais jeito.

Porém, a minha mãe era sinistra. Ela havia ficado hoje em casa com a intenção de me vigiar. E ela fazia muito bem o seu trabalho. Mas eu dei o meu jeito...

Minha família achava que já estava na hora de largar o luto e parar de ir visitar o túmulo dela, começar a viver novamente. Porém o que eles não entendem é que não cabem a eles decidirem isso, apenas a mim.

E eu não me sentia pronto. Ainda não. Talvez nunca estaria.

Desço do taxi em frente ao cemitério da cidade, eu odeio esse lugar, mais ainda, eu odeio o motivo de estar nesse lugar.

Vagueio pelos corredores no piloto automático, há três anos eu faço esse mesmo trajeto, pelo menos uma vez por semana. Quando chego até o pequeno túmulo de mármore, meu coração está em pedaços. Era sempre assim, nunca melhorava, a dor nunca passava.

As rosas do jarro estavam secas e quebradiças, substituo pelas novas. O pequeno retrato da lápide dela já estava desbotado, mas ainda sim dava para ver o seu lindo sorriso.

Como eu amava aquele sorriso.

Me coloco de joelhos como sempre faço e passo as mãos pela pequena fotografia, minha visão embaça e a minha garganta queima pelas lágrimas presas.

Encosto o rosto no vidro para tentar me aproximar mais dela, mas a única coisa que sinto e a frieza do mármore contra a minha bochecha. Todos esses anos eu vinha até aqui, mas nunca consegui proferir nenhuma palavra, mas naquele dia algo estava diferente no ar, apesar da dor latente na minha alma, havia uma expectativa, como se algo bom estivesse para acontecer.

Entre Versos & CançõesOnde histórias criam vida. Descubra agora